Por Raissa Xavier*
Texto inspirado no documentário “The life and times of Frida Kahlo” da PBS.
Em 06 de julho de 1871 o romancista baiano Castro Alves cumpria sua missão na Terra. A poesia de Castro Alves era protesto contra os problemas sociais do seu tempo, principalmente, a escravidão. A arte do poeta era um grito para a liberdade. E, pulsando liberdade, nesse mesmo dia, trinta e seis anos depois, nasceu Frida Kahlo.
Frida, desde pequena, se mostrou forte - enfrentou doenças, lesões e cirurgias durante toda a sua vida. E, pós um dos seus acidentes mais graves, em seu tempo de repouso, despertou como pintora, apesar de dizer “estou pintando um pouco, não que eu me considere uma artista, mas simplesmente porque eu não tenho nada melhor para fazer”.
Frida foi invadida por si própria, foi modelo dos seus quadros, expunha suas dores e demônios nas suas pinturas. Nos seus auto retratos é possível perceber a angústia latente na vida de Frida, contrastada com as cores fortes e alegres que usava. Essa visão é confirmada por uma frase escrita em seu diário “Apesar da minha longa doença, sinto enorme alegria em viver”.
A dor, física e psicológica, marcou a trajetória da artista mexicana, que a transcendia através da liberdade que criara para si mesma. A pintora não aceitava as formalidades da classe média do México e decidiu quebrar esses paradigmas.
Demonstrava atitude na sua maneira de vestir, fez parte da Revolução Mexicana levantando a bandeira antifascista e não tinha problemas de se identificar como bissexual. Frida queria amar, se expressar e criar livremente.
As suas ações comunicaram além das suas pinturas, se tornando um ícone dos movimentos feminista e LGBTQ, mais de sessenta anos depois da sua morte. Kahlo ganhou esse reconhecimento por confrontar o modo de vida e romper os padrões de imagem e gênero da sua época. Ela chocava as pessoas com seu senso de humor escrachado e obsceno, muitos diziam que o seu jeito era uma fuga da sua própria realidade.
Anos mais tarde, conheceu o amor da sua vida, um pintor cubista irreverente, Diego Riviera, a quem considerava um dos maiores pintores do seu tempo, em suas palavras “o arquiteto da vida”. Viveram um relacionamento aberto e tumultuado, entre idas e vindas, alguns abortos, diversas traições e tentativas de suicídio, Frida mantinha-se refletindo as suas dores e, ao fazer isso, conseguiu refletir a dor do mundo.
Suas pinturas foram classificadas como surrealistas, o que era rebatido pela pintora “Pensam que sou surrealista, mas nunca fui, nunca pintei sonhos, só pintei minha própria realidade”.
Frida demonstrou autenticidade em toda a sua trajetória. Quando adolescente, vestia-se com roupas masculinas, gravatas e bonés. Na faculdade, trazia o sexo como sinal de vitalidade e não se limitava a dosar as suas palavras, tratando a sexualidade de maneira natural, em contraponto as mulheres da época, que não falavam nem a palavra “pernas” por ser considerado obsceno e vergonhoso.
Nas suas obras, retratou a realidade das mulheres, muitas vezes vista como tabus (aborto, parto, amamentação, menstruação). Se recusou a ser vítima da sua realidade e transformou a dor em arte, além de abraçar a imperfeição/estranheza como algo comum da vida.
No casamento, apesar de não saudável, entendeu com as traições do marido, principalmente, depois desse lhe trair com sua própria irmã, que o casamento monogâmico não existia e era uma criação da sociedade capitalista. Decidiu abrir o relacionamento evitando o sofrimento por qualquer outra relação e a deixando livre para amar quantas e quais pessoas quisesse.
A artista viajou o mundo desacompanhada do esposo, demonstrando independência e inspirando outras mulheres, mas, em verdade, nunca conseguiu se desconectar de Diego. Na minha visão, ela lutou contra si própria para conquistar essa independência, porque fazia parte da sua luta contra o sistema, porém, tinha total dependência amorosa, deteriorando sua saúde, todas as vezes em que se separava de Riviera.
Nos últimos anos de sua vida, quando já não podia sair de casa, passou a se identificar com o comunismo, via nessa ideologia o aspecto de comunidade, coletivo e sentia-se mais segura. Escreveu:
“A Revolução é a harmonia da forma e da cor. Tudo existe e se move segundo uma mesma lei, a vida. Ninguém está separado de ninguém. Ninguém luta por si mesmo. Tudo é tudo e um. A angústia e a dor; o prazer e a morte; não são nada além de um processo de existência.”
É impossível separar a vida e a obra da revolução que é essa mulher, que renasceu tantas vezes, se reinventou e ressignificou a dor, essa mulher que se criou, essa artista de nome Frida Kahlo.
* Atriz baiana e autora do livro 1/4 DE MIM. Participante do projeto Vozes Transeuntes.
Link da imagem: https://www.bocamaldita.com/mon-recebe-exposicao-de-fotos-de-frida-kahlo-inedita-brasil/