A educação e a perpetuação da meritocracia! Chega de intelectuais!
- Equipe Soteroprosa
- 21 de jul. de 2020
- 4 min de leitura

O título é polêmico, né? Vindo de alguém de “esquerda” então, o que tem de útil? Por que ser contra o “papel” do e da intelectual?
Bem... Por dois motivos: o primeiro é devido à origem colonial do assunto e o segundo é pelo elitismo (arrogância do “sei mais do que os outros, logo, só eu posso dizer algo sobre qualquer assunto”).
Filósofo escravista e “Alta Cultura” Europeia
Veja: a filosofia do ocidente separa o leigo (aquele ou aquela que não sabe) do senhor de escravos dedicado ao ócio filosófico na Grécia Antiga e, na Idade Média Europeia, da plebe (povão) sem instrução (Educação Formal).
Na Modernidade Europeia e com a Ciência, a coisa se repete. A elite estuda, logo “pensa” (trabalho intelectual). A classe trabalhadora daí nascente não estuda, logo é “burra” (trabalho manual). Assim, a cultura está para a elite pensante assim como o suor do corpo está para o povão.
Quando o europeu imigrante invade e coloniza outras terras, ele é Humano e pensa, os povos dominados são “leigos” e “gentis”; “ignorantes” e “não letrados”, “místicos” e “supersticiosos”; que nem no passado europeu, antes da Ciência. Logo, não pensam.
Intelectual Orgânico
Pera aí! Mas tem a Esquerda Revolucionária. No século 19 surge o socialismo CIENTÍFICO (não é mais só ideologia, é ciência moderna também!).
No século 20, no Brasil, tem Paulo Freire e tantos outros homens (hegemônica e androcentricamente falando). Você leva a “educação emancipatória” para o povo ignorante aprender a pensar e mudar, pela Educação, o resto da sociedade. Ora, isso é exatamente o que quebra a galera. Educação só muda uma coisa: mobilidade social, não muda os postos e papeis que mantém a coisa toda funcionando em sua “ordem habitual” (a pandemia deu uma travada na Educação e na Economia, mas a ordem continua...)
Minha “teoria” é que as pessoas mudam. E se as condições das pessoas mudam, a Educação vira apenas um meio, não a causa. Basta contar quantos diplomas você encontra em Brasília, Distrito Federal. A política tá cheia de diplomas. Fernando Henrique Cardoso é formado em Ciências Sociais!
Hoje em dia, os ambientes universitários estão cada vez mais sendo ocupados por pessoas que estão quebrando o domínio elitista branco, masculino e heterossexual. O que é louvável. O espaço então está mudando.
Mas outros espaços também precisam mudar: como o cinema, por exemplo. O problema é que quando você tira o Rei de seu trono e senta no seu lugar, você continua o reinado ou, nos termos da esquerda: a estrutura. É preciso implodir a estrutura.
Vejamos: o comunismo europeu e asiático nunca deu certo no sentido do socialismo CIENTÍFICO. O que ele mudou? A dominação política sobre a produção econômica. É a mesma estrutura econômica do capitalismo, mas governada pelo Partido, não pela cooperação de trabalhadores em diferentes escalas de circulação de produtos, meios de trabalho e consumidores/as.
O capitalismo deu certo? Se você chama aquecimento global e devastação das florestas e a colonialidade que massacrou países cujas tecnologias bélicas eram inferiores às de europeus de “certo”, então você precisa urgentemente se candidatar ao governo e suceder um Donald Trump ou um Jair Bolsonaro. Sério: o sistema precisa de você para sobreviver.
Bom, é por isso que não viajo na ideia do intelectual: enquanto se ressignifica o papel do intelectual branco, com homens negros assumindo esse lugar; e mulheres de etnias indígenas, mulheres negras, mulheres brancas e mulheres “mestiças”, como algumas se identificam – então você desfaz a ideia de que as pessoas são ignorantes, leigas, “burras” e “não pensam” quando elas conseguem “provar” que estão aptas a ocupar o mesmo espaço herdado para o branco. Mobilidade social de novo.
Ou seja: ser intelectual é assumir um papel reservado para a elite. Quando um ativista do passado, Antonio Gramsci, falava de “intelectual orgânico”, ele tava’ tentando puxar o intelectual do casamento com a elite para se casar com o povo. Você sabia que Marx era contra o casamento de uma de suas filhas com um homem “sem posses”? Ou que seu amigo, Engels, casasse com uma operária? Pois é... eles fundaram o socialismo CIENTÍFICO. Pois, é, passa o pano pra eles, faz vista grossa, bença...
Alguém pode dizer: mas a gente pode ressignificar! Sim, sim. Verdade. Mas prefiro não assumir esse papel, inclusive porque me associam a ele desde antes da universidade – e como eu me sentia orgulhoso desse “glorioso fardo” (complexo de Jesus Cristo – não à toa Nietzsche achar que era Jesus ao pirar e depois morrer)! Ou seja, menino pobre que serve de exemplo para a gente exaltar a meritocracia, como a Grande Mídia faz quando um morador ou moradora de favela passa no vestibular. Como eu era babaca (ainda sou, né? Kkk). Sim, sim: mobilidade social de novo.
Expresso do amanhã (Snowpiecer)
Coincidência? Não, gente! Pelamor! Na série da Netflix Expresso do amanhã (2020) aparece isso quando a galera do fundo do trem, que não pode ir para vagões das classes superiores (terceira, segunda e primeira classe), ensina às crianças todo o possível para que elas possam ir para outras classes e, principalmente, para a função de maquinista, a mais importante do trem, pois mantê-lo funcionando mantém a humanidade viva! Ou seja: a Educação faz parte da contabilidade do sistema. Mobilidade social? Sim, sim.
Ora, é o mesmo fora das telinhas. A Educação Formal é a rotina que faz as gerações novas ocuparem os cargos e funções que mantém o regime político, jurídico e econômico da sociedade, e, é claro, também a saúde. Daí, por exemplo, as Ciências Humanas incomodarem, porque normalmente contestam essa ordem reprodutiva da sociedade.
Meu problema com Sociais e Humanas é quando a galera reproduz a lógica do intelectual branco, elitista e colonizador que eu falei antes. Não, gente. Por aí não. É por isso que muita gente odeia cientistas sociais, não é só porque é muito de esquerda não, é porque se sente superior a quem não acessou a Educação Formal. Para que tá feio. Ocupar as Ciências Sociais e assumir o papel do intelectual orgânico é só outra forma de manter a mobilidade social como recompensa ao esforço em uma ordem meritocrática óbvia.
Pronto, era só isso mesmo.
Link da imagem: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=327698
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