O grande objetivo de um governante inteligente, perspicaz, é manter-se no poder. Para isso, é necessário garantir a estabilidade política, conservando seu Estado e tendo o povo ao seu lado. Garantir estabilidade é o mesmo que evitar dissensos internos e, também, desavenças externas. Evitar inimigos desnecessários de todos os lados. O príncipe ideal precisa apresentar inúmeras qualidades que o condicionam ao posto de bom administrador. Bom não é um adjetivo de pureza ética, mas a consolidação de uma duração governamental sob controle. Lições fundamentais escritas tanto em "O Príncipe" como no "Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio", obras de grande peso do pensador político, Nicolau Maquiavel.
No tempo do florentino Maquiavel, no século XV, as reviravoltas políticas, as inconstantes trocas de poder, os conflitos intermitentes e a eliminação de políticos eram bastante frequentes. Numa Itália inexistente como nação, fragmentada em reinos e escassas repúblicas, o estado de guerra não era incomum. Somente astutos líderes eram capazes de segurar firme seus postos e alcançar longevidade política.
O governante que chega ao poder, independente dos caminhos que o levou até tal posto, deve ser um político na prática. Em primeiro lugar, não pode ser condicionado, inviolavelmente, a determinados valores, preceitos éticos, práticas tradicionais e ações afetivas que atrapalhem sua capacidade de ser um gestor competente. Não deve ter apego absoluto, por exemplo, a determinada crença religiosa, com risco de prejudicar a tomada de atitudes práticas, quando necessária, que passa por cima de pilares considerados sagrados.
Se olharmos os tempos contemporâneos, numa sociedade de massa, com uma pluralidade de credos e costumes, deveria o representante máximo de qualquer nação ter bastante cuidado para não tomar partido, a priori, de qualquer crença, e, nesse caso, de qualquer instituição religiosa. Mesmo o cristianismo, predominante na cultura ocidental, é muito fragmentado. Ao desagradar parcelas consideráveis de uma sociedade, cada vez mais difusa, sob diversos valores, qualquer governante perderá apoio seguidamente. De saída, portanto, não é indicado orientar sua ação a uma parcela específica em uma sociedade heterogênea. Não se pode governar apenas para 30% só porque existe uma idolatria incondicional. A soberba não é um bom caminho. A ilusão de governar, segundo alguma concepção de missão divina, pode tornar a queda ainda mais dolorosa.
A ação política deve ter seu espaço próprio de atuação. Quem deseja ser adorado, temido, alcançar glória ou mesmo amado, não deve se prender a convicções. Não que elas não sejam importantes. Certamente o são. Podem ser cultivadas. Mas o risco de não abrir mão delas pode levar qualquer projeto de poder ao precipício. A ética mais eficaz é a da responsabilidade permanente. Às vezes, abrir mão de convicções privadas é necessário para garantir a sobrevivência da sociedade. E a aparência, se bem usada politicamente, tem ótimos efeitos duráveis.
O bom governante precisa de virtü. Virtü é a capacidade de ler a realidade, lidar com as circunstâncias e antecipar os impactos negativos que podem sempre acontecer, afinal é impossível saber de todas as coisas. Mas se o imponderável é um fato natural, é incompetência não fazer nada para mitigar as possíveis desgraças. A fortuna, que pode trazer sorte ou azar, jamais pode ser subestimada tolamente. A virtuosidade do líder é ser impiedoso com ela, não deixando-a arruinar sua administração. Como contar com a sorte sempre? Sendo meros mortais, a pretensão parece absurda, delirante e infantil. A vida é cheia de altos e baixos, e qualquer um que vive imaginando que o mundo sempre vai ao encontro às expectativas sofrerá as consequências imprevistas!
E o príncipe de hoje, o Poder Executivo eleito pelos cidadãos em uma República, como deveria se comportar? Vamos pegar o exemplo do Brasil. Para começar, evitaria ao máximo criar crises desnecessárias, como se fosse um método permanente de governança. Pelo contrário, é fundamental buscar coalização para ter maioria, visando aprovação de projetos que atinjam a população em geral. Não pode passar pela mente do administrador maquiaveliano ser gerador de conflitos institucionais. O governo ruim beira ao precipício porque despreza a classe política.
O príncipe não pode ser tagarela. O tagarela em casa, com os amigos, que gosta de xingar e falar mal dos outros, não pode ser tão tolo a ponto de confundir o campo privado com obrigações públicas. Recomendação: fechar a boca para não falar besteiras!
Como o príncipe lidaria com a epidemia? Em primeiro lugar, não negaria a sua existência. Não seria negacionista! Não desprezaria a objetividade do fato. Buscaria soluções concretas. Ir de encontro a realidade é cavar a própria cova política. Na sequência, ver de perto, conferir as medidas políticas e sanitárias que estariam sendo tomadas para minimizar a contaminação do vírus, naturalmente evitando o maior número de óbitos.
Também seria inadmissível, aos olhos do escritor florentino, um gestor ignorar os acordos e protocolos sanitários prescritos, internacionalmente, no combate à pandemia. Preservar vidas seria uma atitude fundamental pela preservação de sua população. Contrariar a ciência é uma atitude débil. Prescrever remédios mágicos? Patetice. Ser a escória que ignora o exemplo de outros países, ou mesmo os desastres semelhantes que ocorrem no passado é, no mínimo, burrice. Não se pode agradar só aos empresários. Dizer “e daí?” para as mortes ou ainda: “não sou coveiro”, é irresponsabilidade pública e fomento ao ódio popular, não só aos que perderam amigos e parentes, mas a todos aqueles têm compaixão ao próximo.
O administrador maquiavélico, por excelência, também não iria criar um mal-estar com as relações exteriores. Por exemplo, jamais tomaria partido, cegamente, a um presidente de outra nação, idolatrando sua personalidade e suas ideologias salvacionistas, retrógradas, anti-globalista, anti-ambientalista. Não admitiria que o chanceler (outro anti-globalista e anti-ambientalista) e seus subordinados fechassem portas aos acordos e tratados internacionais, com países ou blocos econômicos, por causa de crenças e delírios apocalípticos. Não pode existir espaço para teorias da conspiração na política! O contrário é antipolítica.
O campo da política é do pragmatismo! O político não deve, sob nenhuma hipótese, rechaçar os adversários de hoje que podem ser seus aliados amanhã. Assim como não pode ser ingênuo às atitudes de seus aliados, pois eles mesmos podem estar usando facetas, das mais astuciosas, por conveniência, para ganhar capital político. Amizades só podem existir, na esfera da política, por mera conveniência. Não se deve desprezá-las. Não deve o governante também fechar os olhos aos imprevistos, porque nem sempre a fortuna trará sorte. Quando o barco virar será difícil não se afogar.
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