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O ano do pensamento mágico e a moral da história




“Você se senta para jantar e a vida que você conhece termina”


É com essa frase que se inicia o livro de memórias da jornalista Joan Didion, O ano do pensamento mágico. Ao longo de pouco mais de duzentas páginas, acompanhamos todo o processo do luto após a morte do seu marido. Assim, repleto de reflexões, pensamentos perdidos e desencontrados, desfrutamos do peito ofegante, das incertezas e angústias do processo.


Pode-se dizer que é um livro com urgente sentimento de falta, sim, algo está faltando entre as páginas... Algo que jamais será preenchido outra vez. Cada lembrança descrita, cada pensamento turvo. Cada vórtice de memórias é o relato cru e natural do luto.


Entretanto, o que me leva a escrever sobre esse livro não é a sua qualidade ou tampouco as reflexões causadas pelo processo. Isso pode ser encontrado em qualquer outra resenha. O que me traz ao questionamento, é o fato do que os comentários têm a dizer sobre o livro. Na verdade, um único comentário.


O comentário


Trago, de muitos anos, um hábito de sempre verificar resenhas e comentários de um livro antes de comprá-lo. Talvez em uma tentativa de economizar meu dinheiro ou fazer escolhas mais assertivas quanto ao que pretendo ler. De toda forma, ao buscar sobre O ano do pensamento mágico, encontrei muitas resenhas, mas apenas uma me chamou a atenção.


O breve comentário dizia algo como:

“Não há nada de mágico aqui, esse livro é muito negativo. Não há nenhuma mensagem positiva no final, nenhuma lição. Além do mais, a escrita parece estar sempre perdida e confusa”

Sim, meu amigo. Sim! Isso é tudo que tenho a dizer. Só consigo pensar que ao tentar falar mal sobre o livro, acabou descrevendo-o da melhor maneira possível. Não só isso, em poucas palavras conseguiu expressar o que significa o processo do luto e das dores que carregamos.

Assim, isso é realmente uma crítica negativa?


Sobre os pensamentos nebulosos


O próprio livro fala sobre isso, sobre a necessidade de buscarmos significados. Afinal, Joan Didion reserva a maior parte de suas palavras ao fato de não saber encontrar o sentido de tudo aquilo, também sobre buscar nas pequenas nuances uma resposta para o acontecimento. Por que ali? Por que naquele momento? Afinal, eu poderia ter evitado?

São pensamentos turvos, questões sem respostas. Por isso, qualquer tentativa de descrever o processo de luto, é também uma viagem abstrata entre devaneios tortuosos. Imagens daqueles que se foram, do vazio tangível e todo tipo de desnorteamento. Ao pensarmos também na questão do tempo que lhe foi dada para escrever, não há como desassociar ao fato de serem pensamentos recentes, vivendo enquanto escreve e relembra cada uma daquelas linhas.

Ali, ainda pulsa o sentimento tangente. Ainda pulsa a falta.


A mensagem positiva


Sobre a moral da história, sinto muito em dizer que não se trata de uma fábula. Finais felizes, bons pensamentos. A personagem bem resolvida e os créditos subindo. Não, e talvez esse seja outro ponto forte. Acompanhamos apenas uma fase da vida, uma parte do processo. Talvez não haja termo melhor para descrever do que processo. O luto não é uma ferida aberta no joelho, não é um braço quebrado, uma viagem longa de separação. O luto é a falta.


Não se supera totalmente o luto, não se esquece. A falta ainda vai estar lá ainda que fosse necessário outras quinhentas páginas, e isso é o importante. Acompanhamos um único ano de sua vida. Afinal, como um único ano viria a superar dezenas de outros na presença daquele que parte? Sim, assim é a vida. Assim parece ser o luto.


Como o próprio texto faz questão de abordar, todos os relatos sobre acidentes costumam começar do mesmo jeito, “Era apenas um dia normal, quando...” E assim vai. É a morte sendo um evento integralmente inquestionável, inesperada e sem direito à prorrogação.


É a vida que desaparece em um fio.


Assim, a crítica negativa tornou-se talvez o principal fator para me aprofundar entre as páginas. Afinal, tudo isso me parece apenas sustentar que jamais entenderemos o processo do luto, jamais estaremos prontos e falar sobre a morte ainda continuará sendo o terreno das incertezas humanas.


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