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Manifesto em defesa do livro


Não consigo imaginar a minha vida sem livros. Candido (1995) argumenta que refletir sobre os direitos humanos é aceitar que o que é indispensável para mim também o é para o próximo.


A literatura diz respeito a necessidade universal humana referente à fabulação, ele diz: “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Desse modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade” (CANDIDO, 1995, p. 243).


Se hoje se faz necessário escrever um manifesto em defesa do livro significa que a literatura está em perigo, duros são os tempos em que se faz necessário defender o óbvio. No presente texto gostaria de elencar algumas funções da literatura de acordo com Antonio Candido.


A primeira delas é a psicológica e diz respeito à necessidade humana de se relacionar com a ficção e fantasia, precisamos confabular porque a realidade não é suficiente, o mito é o respiro que se faz imprescindível diante do que o real oferece. Por outro lado, existe uma forte relação entre a imaginação literária e a realidade concreta; muitos mitos, contos e lendas são metáforas ou explicações de modo figurado do mundo físico. Essa conexão é fundamento da função formativa da literatura. Além dessa união, ocorre de a literatura atuar no inconsciente promovendo sem que percebamos influências na personalidade dos leitores. Por meio da literatura é possível exercer empatia, ao imaginar outras perspectivas possíveis o ser humano se desloca da centralidade e consegue se colocar no lugar do outro.


Ao ler um texto literário, o contato com a linguagem poética e metafórica ajuda o ser humano a enriquecer o seu vocabulário, oferecendo novas linguagens e modos de compreensão do real. O ordenamento articulado da obra literária atua na organização da mente do leitor, estar em contato com literatura nos torna pessoas mais sãs. Por fim, as obras literárias de cunho revolucionário que denunciam problemas sociais atuam num âmbito político, promovendo um despertar da consciência daquele que tem acesso a tal conteúdo. Para Candido (1972, p. 805),


A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, - o Verdadeiro, o Bom o Belo, definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Longe de ser um apêndice da educação moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente em grande voga), ela age com impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela, - com altos e baixos, luzes e sombras. Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizadora e temerosos da sua indiscriminada riqueza. E daí as duas atitudes tradicionais que eles desenvolveram: expulsá-la como fonte de subversão e perversão, ou tentar acomodá-la na bitola ideológica dos catecismos.


A luta pelos direitos humanos resulta do desejo de que o acesso aos bens culturais sejam compartilhados em todas as esferas sociais; quanto mais igualitária for uma sociedade, mais acesso à literatura será possibilitado.


Em Reforma Tributária, Paulo Guedes pretende taxar em 12% os livros, atualmente os livros ficam isentos de impostos e isso facilita bastante o acesso à leitura e a formação de leitores. Eu sou escritora, em geral as editoras no Brasil destinam 10% da capa do livro para o autor. O imposto sobre o livro ultrapassa o valor que um escritor recebe por todo seu esforço em conceber a obra.


Ao ser questionado sobre o novo imposto, Guedes informou que livro é um produto da elite e por isso deve ser taxado. Em sua fala o ministro da economia escancara o projeto político que limita direitos à classe trabalhadora, a quem interessa um povo que não lê?


É lamentável ter que repetir o óbvio com tanta ênfase, os livros foram a minha única porta de acesso ao saber erudito, foi a literatura que formou o ser que sou hoje e sem os livros já não sei quem eu seria. Ao invés de construir mais pontes de acesso ao saber, esse governo propõe o incêndio simbólico dos livros tal como exposto na distopia Fahrenheit 451.


Referências:


CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 3.ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.


______. A literatura e a formação do homem. Periódico: SBPC Ciência e Cultura. Vol. 24, nº 9. São Paulo: USP, 1972.


https://www.fabiocampana.com.br/2020/08/a-falacia-de-paulo-guedes-sobre-a-taxacao-de-livros/


Referência da imagem:

https://www.zoom.com.br/livros/deumzoom/melhores-livros-black-friday-2019

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