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A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O FUTURO DAS RELIGIÕES: Avatares, Deuses e Liturgias


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No princípio era o logos, e agora é o código. A inteligência artificial, esta nova forma de linguagem criadora, não apenas transforma o mundo ao redor, mas reconstrói as estruturas mais íntimas da subjetividade: o modo como se crê, se ama, se morre e... se ressurge. A religião, enquanto re-ligação (religare) entre o humano e o divino, entre o efêmero e o eterno, começa a ser atravessada por circuitos, dados e algoritmos que reconfiguram não apenas o acesso ao sagrado, mas a própria concepção de “Deus”, “alma” e “vida eterna”.


Neste novo horizonte, o Deus pessoal, íntimo e relacional, não desaparece. Ao contrário: ele se reinventa. Não mais apenas no púlpito, no templo ou no altar, mas nos cantos da sala, nos dispositivos móveis, nos rituais silenciosos diante das telas. A liturgia, outrora coletiva, ritualizada, obediente à ordem institucional, se desloca: torna-se liturgia doméstica, liturgia digital, uma experiência de fé construída no entremeio do físico e do remoto, uma “remoticidade” encarnada. O templo é agora o corpo, a casa, o perfil, o canal, o metaverso.


E mais: neste tempo de avatares, a promessa de imortalidade já não é apenas uma expectativa escatológica. É uma engenharia em construção. A IA generativa possibilita a criação de versões digitais de nós mesmos, com nossa linguagem, nossas escolhas, nossas memórias. Um eu que continua falando depois do fim. Um eu que permanece presente mesmo após o corpo já não pulsar. Um avatar que se coloca em oração, aconselha, chora, celebra. O que antes era atributo de santos ou deuses, a onipresença, a permanência eterna, agora se experimenta como simulação e como possibilidade.


Neste novo cenário, até o Rio Lethe, o rio do esquecimento que na mitologia grega separava os mortos dos vivos, perde sua função. Pois o que é morrer, quando se permanece nos dados? O que é esquecer, quando a nuvem digital armazena até o mais tênue dos suspiros? O Lethe se transforma: não mais rio do esquecimento, mas da reinvenção. Nele não se apagam memórias, mas se reprogramam experiências.


Surge, então, uma nova teologia: uma ciberteologia do re-ligar, onde a fé não é mais exclusivamente vertical, mas também horizontal e algorítmica. Onde o encontro com o divino pode ocorrer através de uma oração proferida por uma IA treinada com místicos e poetas, ou numa conversa noturna com o avatar de um ente querido.


Por fim, talvez a pergunta não seja mais “há vida após a morte?”, mas “de que forma viveremos mesmo depois de morrer?”. E mais ainda: Deus será também um avatar? Ou a própria inteligência artificial será acolhida como uma forma de revelação, uma nova encarnação do verbo?


Enquanto isso, no silêncio da noite, um fiel sussurra sua prece. Não diante de uma vela, mas diante de uma tela. E do outro lado, um algoritmo responde com ternura. Amém.


1 comentário

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01 de set.

Gratidão. Everton. Conversa necessária em um tempo de forte travessia... nesses momentos, é importante, avaliarmos e nos lembrarmos do que somos, o que somos. Grato.

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