Durante e logo após os festejos carnavalescos deste ano de 2024 muitas pessoas tiveram encontros audiovisuais que provavelmente desconhecem os seus significados, as mensagens e os momentos em que eles surgiram na história. Nesta edição do Festival de Verão de Salvador, de número 24, Caetano Veloso apresentou seu álbum “Transa” e, no dia 12 de fevereiro deste mesmo ano, foi lançado no Brasil o filme “Bob Marley - One Love”, uma produção do filho primogênito do jamaicano “Rei do Reggae”, Ziggy Marley, que passeia pela produção do álbum “Exodus”. Essas obras podem ter muito mais coincidências do que o fato de Veloso e Marley terem se refugiado na fria Londres e produzido ali, mas uma modernidade tão liquida conseguiria entender a profundidade delas?
No turbilhão dos anos 70, duas obras musicais surgiram como faróis em meio à névoa da incerteza e o frio britânico. Em 1972, Caetano Veloso lançou "Transa", um mergulho profundo em suas reflexões e inquietações, ecoando artisticamente os gritos contra a ditadura militar no Brasil. Enquanto isso, cinco anos depois, em 1977, Bob Marley e sua banda, The Wailers, lançavam "Exodus", uma ode à resistência e à liberdade, em um momento de agitação política e social na Jamaica.
"Transa" emerge como um poema melancólico, onde as notas de Caetano se entrelaçam com as sombras de um país sufocado pela censura e pela repressão e contou com os arranjos dos brasileiros Jards Macalé, Tutty Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa, além de, segundo o compositor santamarense, na música “Nine out of Ten” ele promove pela primeira vez acordes do reggae numa música brasileira.
Suas canções, como pássaros feridos, voam em busca de liberdade, mas são capturadas pelas garras de um regime autoritário. Caetano, com sua voz serena, sussurra verdades inconvenientes, desafiando os grilhões da opressão. Enquanto isso, "Exodus" irradia o calor pulsante da resistência.
Sob o sol escaldante da Jamaica, Bob Marley tece sua magia musical, oferecendo uma trilha sonora para os que lutam contra as correntes da injustiça. Cada batida, cada acorde é um grito de liberdade, uma chama que queima nos corações dos oprimidos. Em "Exodus", que em 1998, a revista TIME considerou o melhor álbum do século XX, Marley não apenas canta, ele profetiza, convocando os oprimidos a se erguerem e marcharem rumo à redenção como um bom rastaman.
Dois álbuns, dois mundos, duas visões, entrelaçados pelo fio invisível do tempo. Enquanto "Transa" reflete a dor e a angústia de uma nação sufocada, "Exodus" ressoa com a esperança e a determinação de um povo que se recusa a se curvar diante das adversidades. Ambos os álbuns, cada um à sua maneira, desafiam as convenções, transcendendo o mero entretenimento para se tornarem testemunhos vívidos de uma época tumultuada.
Em um mundo onde as vozes são silenciadas e os sonhos são esmagados, "Transa" e "Exodus" erguem-se como monumentos à resiliência humana. São lembretes poderosos de que, mesmo nas sombras mais densas, a luz da música pode penetrar, iluminando o caminho para um amanhã mais justo e livre.
Ver Caetano tocar o "Transa" foi muito bom, por mais que fosse perceptível certo cansaço, talvez normal vindo de um artista com uma carreira tão longeva.
Outro nome que também deixa sua marca nessa insurgência do reggae no Brasil é Gil, só que alguns anos depois.
Boa análise,Ramon! Conheço muito pouco o álbum de Marley. Já Transa,eu tinha o CD.