A NOCIVA EXPECTATIVA DA FANTASIA AMOROSA
- Kelly Lidia
- 4 de mar.
- 3 min de leitura

O conceito do termo ‘’fantasia’’ diz respeito à capacidade imaginativa, ou seja, a possibilidade de criar algo através da nossa imaginação.
Claro que nossa imaginação se alimenta bastante dos eventos da vida cotidiana, mas ainda assim a fantasia é algo que não possui existência real.
No sexo, elas podem até ganhar um destaque bacana (conservadores, deixem os transantes em paz!), já no amor, essa visibilidade pode ser nociva.
A construção cultural das fantasias amorosas está carregada da ideologia do ‘’felizes para sempre’’, aquela frase que a gente cresce escutando até achar que para o verdadeiro amor, esse é o único desfecho possível.
Vamos tentar fazer o exercício de compreender como a mídia, as histórias de contos de fadas e as brincadeiras de criança estão exercendo uma dupla função: primeiro, formando em nossas mentes uma imagem idealizada de como se deve amar e ser amado/a/e, e segundo, moldando nosso comportamento para atender a essa expectativa.
Não pode ser desconsiderado que a forma como o amor é representado na mídia e na cultura popular tem um papel crucial na formação dessa fantasia. A gente tem começado a compreender que isso acontece, mas ainda não estamos discutindo o porquê e a quem interessa, ou melhor, quem lucra.
Veja bem, toda a venda comercial dessa fantasia amorosa reforça os papeis de gênero, as sexualidades aceitas, os corpos que são desejáveis e quais comportamentos realizam a manutenção disso tudo.
Mas a busca pelo relacionamento perfeito e a idealização de um/a parceiro/a ideal preserva a perpetuação de que?
Se você respondeu: da lógica cisheteronormativa monogâmica, capitalista e cristã, você acertou.
Afinal, o que está posto é a ideia da existência de um modelo correto de relacionamento. Aquele composto entre um homem e uma mulher, onde prevalece a lógica binária de gênero (ou você já viu uma princesa casar com outra princesa nos contos de fadas?), cuja finalidade é o casamento (vamos rememorar que, no capitalismo, o casamento é uma instituição útil para gerar riqueza).
Isso tudo, dentro dos cânones cristãos, uma vez que, originalmente para a igreja, é essa união que alimenta o princípio da hereditariedade, linhagens e títulos sociais, além de em paralelo reforçar a monogamia (lembrem-se da importância de saber quem é o herdeiro legítimo).
O circo secular está armado e influencia até hoje a nossa forma de pensar e se comportar diante do amor (vide você ai sofrendo por quem nunca deu indícios reais que assumiria qualquer tipo de relacionamento contigo, mas ainda assim a expectativa nociva de um amor idealizado te afeta).
Vamos deixar claro que eu não quero que meu texto seja pauta da sua terapia na semana que vem, mas talvez seja importante olhar para contexto social a fim de confortar um pouco o coração com as demandas privadas.
O quanto disso que a gente tá conversando aqui tem a ver com aquele seu romance que não deu certo, mas você ainda fantasia com aquela pessoa? Ou com a forma como nos comportamos nos relacionamentos amorosos, desde a escolha de quem paquerar até a decisão de morar junto ou não/ casar ou não?
O quanto você acha que isso afeta, principalmente, as pessoas socializadas como mulheres que são ensinadas desde criança a serem submissas, permissivas e aguardarem a salvação pelo príncipe encantado, além de reprimir suas sexualidades?
Uma socialização onde mesmo com a possibilidade de ter sucesso financeiro, profissional e pessoal, se não houver uma parceria (e preferencialmente a constituição de família com a reprodução) não existe o feliz para sempre, já que a busca por um relacionamento perfeito e idealizado deve ser a principal meta de suas vidas.
Desde a infância, o conceito de "príncipe encantado" e a idealização de um amor romântico se tornam tão presentes que muitas vezes são considerados como sinônimos de felicidade plena. Mas a gente sabe (porque vive na pele) que essa expectativa de perfeição no amor pode ser nociva, resultando em decepção, frustração emocional e uma constante insatisfação nos relacionamentos.
Dessa forma, crescemos com essas narrativas que se tornam um guia para os nossos desejos (são nossos mesmo?) e expectativas. O bizarro é que às vezes a gente nem percebe que são representações irreais, de tanto que se vende como O IDEAL. E pode ser mais bizarro ainda se a gente perceber que na realidade não é isso que queremos.
Mas a falta da dimensão do quanto as relações são complexas também é uma ferramenta de alienação. Particularmente, quem vos escreve acha que é justamente uma tentativa para que esse contexto social não seja levado em consideração, pois essas análises podem ajudar a quebrar determinados ciclos e padrões.
Mas e você, acha tão nociva assim a expectativa da fantasia amorosa?
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Imagem: Construída via inteligência artificial.
Fenomenal e necessário esse texto