A NOSSA REALIDADE É O QUE É?
- Alan Rangel
- 9 de jun.
- 3 min de leitura

Leitores, esta semana, no grupo de pesquisa Neurociência, Consciência e Sociedade (NECS),[1] comentei sobre como nosso cérebro não só armazena e processa, mas interpreta e edita a realidade, para completá-la ou simplificá-la. A realidade é uma construção. A nível físico, não sabemos o que de fato ela é. Nosso cérebro está programado para operar a sobrevivência, economizando energia com o menor esforço possível. E o contexto e lugar onde nós apreendemos as informações, equipados por experiências e valores, mudam a maneira como percebemos as coisas. Nossa anatomia formidável forma um mapa mental de todas as nossas vivencias. Porém, mapas podem estar certos ou errados. O cervello (tradução italiana que gosto bastante) não está preocupado com isso.
As pessoas podem vivenciar um mesmo contexto e ter ideias completamente diferentes. A questão mais urgente é: precisamos refletir para investigar o porquê sentimos a realidade de um jeito e não de outro. Estamos sendo enganados por nossas percepções? Quem está certo sobre um fato: eu ou os outros?
Há um perigo eminente também: pessoas com esses conhecimentos sobre a nossa biologia podem criar um mundo (já criam, na verdade, mesmo que inconscientemente) adaptável à nossa estrutura editável. E, assim, podemos viver baseados em programas ou bolhas ideológicas que reforçam, diariamente, uma determinada realidade. Não é difícil obter atenção usando esse conhecimento. Não é impossível ser bom na política usando esse conhecimento. Aqui, usar o medo, a catástrofe, a barbárie generalizada, a tragédia, pânico moral etc., tudo isso pode ser instrumentalizado para interesses particulares. São velhos e eficientes truques para angariar o voto do eleitor ou o dinheiro do consumidor.
Baruch Spinoza, filósofo do século XVII, na obra-prima, Ética, defendia a tese de que os afetos, ou afecções do corpo, são fluxos inevitáveis. Ao interagirmos, somos agentes passivos ou ativos, regidos por paixões ou por ações. E, enquanto não tomarmos consciência ou ter entendimento dos afetos que nos atingem diariamente, seremos escravizados pelas paixões externas. E isso altera a forma como nos sentimos, alegres ou tristes, e como olhamos a realidade. Como alcançamos a sabedoria, a liberdade? Quando somos conscientes das determinações ocultas.
Podemos dialogar com essa visão mais recente da neurociência e do pensamento de Espinosa. Se é inevitável que nossa estrutura cognitiva edita a realidade, temos, então, que buscar um esforço para alcançar um nível gradual de entendimento daquilo que vale a pena. E o que vale a pena, qual a nossa bússola? Para a neurociência é um uso mais potente do nosso córtex pré-frontal, um esforço cognitivo contrário aos automatismos. O que Daniel Golleman chama de sistema descendente [2] Para Spinoza, a bússola é uma força natural, uma essência que deve ser percebida, o conatus. O que é conatus? Uma expressão vital, uma necessidade interna, impulsionada em busca de liberdade, positividade e felicidade.
Retomando o ponto inicial. Se o cérebro edita, logo, o que nos resta? Sermos diretores. Aceitando a tese de que existe um Eu (isolado ou composto), e considerando a inevitável capacidade de edição ou montagem da realidade, independente de nossa vontade, devido à nossa estrutura interior, temos que problematizar o que, afinal, podemos mudar a nível subjetivo. Nesse caso, olhar para dentro é olhar para fora. É curioso que essa conclusão lembra uma fala de Carl Jung: “quem olha para fora sonha, quem olhar dentro desperta”.
E, os nobres leitores (as) o que acham?
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Notas.
[2] GOLEMAN, Daniel; SENGE, Peter M. O foco triplo: uma nova abordagem para a educação. Tradução Cássio Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
Entendo que não é possível perceber o que não existe em nossa cosmovisão, como não é possível enxergar o que não se procura.
o que percebemos é uma fração da realidade que é construída pelas interações que estabelecemos com coisas cotidianas.
Eu acho que a questão "quem está certo: eu ou os outros?" talvez não tenha uma resposta definitiva, pois nossas percepções são inevitavelmente filtradas por experiências, afetos e mecanismos cerebrais que editam a realidade.😍
Penso que, ainda que exista um esforço para disseminar o que é verdade para o outro — ou para a massa —, em proporção, me parece que isso nunca será alcançado em plenitude.
A minoria continuará dominando essas percepções da realidade, enquanto a maioria será sempre passiva, em proporção. Falo com base, inclusive, na própria Lei de Pareto (80/20), segundo a qual 80% dos nossos resultados derivam de 20% das nossas ações. Trazendo isso para o contexto apresentado, se 20% é dominante (governo, publicidade, líderes religiosos etc.), em que momento os 80% (a massa que não detém conhecimento sobre como o Estado funciona, nem sobre como funcionam suas próprias mentes e comportamentos) terá noção do que é real ou do…