A ONDA DE REMAKES E CONTINUAÇÕES DO CINEMA: ESTAMOS CANSADOS DE COISAS NOVAS?
- Karla Fontoura
- 17 de jul.
- 4 min de leitura

Basta bater o olho em qualquer site de cinema para perceber que os remakes e as continuações dominam esse mercado. No primeiro semestre 2025, os exemplos são muitos:
Missão Impossível
Lilo e Stitch
Branca de Neve
Como treinar seu dragão
Lobisomem
Megan 2
Invocação do Mal 4
Bailarina – Do Universo de John Wick
E o ano vai terminar como muitos outros lançamentos na pegada de remakes e continuações como Frankenstein, Avatar 3, Jurassic Park, Zootopia 2, Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda e muito mais. Observando, com exaustão, esse cenário, me questionei duas coisas:
Será que não sabemos escrever mais boas histórias inéditas? Ou não queremos saber de histórias inéditas?
Entre quem produz e quem consome parece haver consolidado um acordo sem palavras de que o entretenimento precisa garantir um público certo, tendo como isca principal aquele tom nostálgico e sereno que sentimos quando vemos algo que conhecemos. Estamos sedentos por menos surpresas e mais certezas, onde a história pode até criar novas nuances, mas os personagens, os cenários e as dinâmicas das reações precisam se manter para fazer um sujeito ou sujeita sair do conforto do lar e ir ao cinema.
Sabemos que as salas de cinemas não tem o mesmo atrativo que antes, dado a chegada das inovadoras tecnologias em TVs de telas grandes, quase cinematográficas, com som de alta qualidade - quando não se usa um projetor na sala de casa e a experiência se aproxima prontamente da vivida no escurinho do cinema. Mais ainda, a aparição dos streamings e seu carregado catálogo de títulos, dividido por tipos e gêneros, facilmente acessível a distância de um botão do controle remoto, tornou o telespectador preguiçoso para enfrentar o trânsito e todo trâmite para estar dentro de um cinema.
Só que proponho irmos além do imperativo econômico e tecnológico nessa situação. Eu acho que estamos vivendo uma crise mais profunda, notoriamente filosófica sobre um lugar inevitável da experiência humana: a escolha. Intimamente ligada aos processo de decisão, a escolha se tornou o martírio da nossa sociedade pós-moderna. Segundo o Instituto de Psiquiatria – IPq, o cérebro humano toma cerca de 35.000 decisões diariamente, variando entre escolhas conscientes e ações quase automáticas. Precisamos pensar, elaborar e tomar decisões importantes sobre saúde, trabalho, relações e muitas outras caixinhas da vida humana. Desde a hora que vamos acordar para não nos atrasar no trabalho até o momento em que precisamos desligar a tela do celular e decidir finalmente aceitar o sono e dormir.
Em meio a tudo isso, a vida sempre nos ofereceu muitas opções. Nos alimentos que estão expostos no supermercado. Nas roupas que vemos nas lojas dos centros comerciais. Nos diversos modelos de geladeira e eletrodomésticos. Isso sempre fez parte da rotina. Até a chegada da internet e seu impulsionamento global, transformando as escolhas em um espaço infindável de opções. Claro que as questões geográficas e as necessidades imediatas trazem limitações, como a vontade de tomar um café quentinho com um pão na chapa. Melhor escolher perto de casa ou do trabalho. Porém, quando o assunto é escolher um entretenimento, o mundo escancarou inúmeras caminhos.
Como disse antes, os streamings chegaram com essa força e principal apelo: eu tenho de tudo um pouco, basta você escolher! E conseguimos escolher? Talvez sim, talvez não. A plataforma entende nosso drama e faz questão de pontuar conteúdos semelhantes como recomendação para que você não sofra tanto. Mas as escolhas ainda são muitas, milhares. Será que quero ver um filme? Uma série? Um documentário? Um musical? Depois de um dia inteiro de trabalho, e de milhares de decisões sendo tomadas, o lugar do entretenimento não precisa se tornar mais um tormento. A última coisa que uma mente cansada quer fazer é escolher. Aí entra o caminho mais confortável: escolher o que já se sabe, já se conhece.
Em um dia qualquer, uma franquia lança um novo filme e você corre para o cinema porque não precisa passar pela apreensiva e torturante tarefa de enfrentar o novo. Por sinal, esse excesso de opções tem nos tornado menos tolerantes com a frustração. Quem nunca escolheu um filme, começou a assistir e, quando menos percebeu, estava detestando tudo e desistiu no meio do caminho? Pior ainda, a sensação de perda de tempo parece imensa, afinal, havia tantas opções e você conseguiu dar o azar de escolher a pior delas, aquela que só aumentaria seu mal humor de uma rotina exaustiva.
Como pessoa que trabalha no meio da comunicação e publicidade, posso dizer que esse lado de cá está bem ciente dessa situação e, por isso, as caríssimas campanhas publicitárias já entenderam que não adianta simplesmente aparecer aos olhos do público. É preciso se mostrar único e inigualável na prateleira maçante de produtos parecidos. A melhor escolha é investir nos influenciadores que, usando seus trejeitos e força de comunidade, podem comunicar a opção que o público deve escolher.
Outro caminho adotado por essa área e que tem pulverizado na rotina do cidadão comum é criar qualquer tipo de situação para ter seus dados. Quer um e-book gratuito? Me dê seus dados. Quer um produto com desconto? Me dê seus dados. Quer cinema mais barato? Me dê seus dados. Depois de entregar de bandeja essas informações, registre sua compra na minha plataforma e me ajude a conhecer seus costumes, suas ideias, o que deseja e o que odeia. Facilmente, você pode identificar os tais “Clubes de fidelidade”. Sendo gratuitos e propensos a darem descontos, você se fascina com a ideia. Agora não importa tanto seu dinheiro. O que vale a pena é saber o que você compra e como compra. Com esses dados, as campanhas certas são criadas para chegar até você por meio de anúncios pagos nas redes sociais e garantir seu dinheiro a mais uma empresa.
Como alguém que visitou locadoras por anos de vida, vivendo uma experiência lenta e cautelosa de escolher um filme seguindo indicações de algum funcionário ou do amigo da faculdade, ou que esteve em cinemas diversas vezes simplesmente por uma promoção legal e apenas sabendo o título do filme e tolerando assistir até o fim, se fosse ruim, e sair encantada, se fosse bom, posso afirmar que acho interessantíssimo vermos essas mudanças acontecendo diante dos nossos olhos, especialmente na área do entretenimento. É bom? É ruim? Ainda não sei verbalizar uma resposta exata sobre isso. Mas, tenho certeza que somos muito diferentes depois que mergulhamos nesse mar de opções oferecido pela internet, mexendo com nossa cognitividade sobre o que escolher, como escolher, porque escolher.
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Essa questão de remakes,vejo mais isso nas novelas. Não apenas revisões de histórias de sucesso,as continuações,com retorno de antigos personagens. Não acho isso necessariamente ruim,mas endossa simo esvaziamento de novas idéias.
Hoje vi uma postagem baseada em um estuda da revista Nature falando da retomada dos produtos infantis no cotidiano adulto para acalmar a mente e sair do burnout. Penso que esta questão se relaciona com os remakes, que nos trazem de volta ao local do conforto. No caso da indústria cinematográfic, imagino que tem a ver não só com a falta do inéditismo ( até porque existem obras inéditas de produtoras independentes ou menores) mas um certo medo de arriscar em investir e não dar certo. Então é melhor investir no já conhecido e o massificar de propaganda. Amei o texto!