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A QUEM PERTENCE O CORPO FEMININO? O caso do MC Guimê, do Cara de Sapato e da Xuxa



Esse texto poderia trazer uma sequência histórica de acontecimentos de várias civilizações e povos que comprovaria como o corpo feminino sempre foi explorado, manuseado e tratado como moeda de troca. Seja pelo apelo sexual incutido nele ou pela sua capacidade, em geral, de reproduzir outros seres humanos, esse corpo possui marcas de dor, violência e transgressão como parte de sua vivência.


Como disse, essa seria uma opção para escrever esse texto, mas não será a escolhida. Eu tenho a intenção de que o leitor caminhe nesse corpo, independente do seu nível de compreensão da dimensão do que ele passa. Quero convidar, com a minha leitura, a um lugar de subjetividade-coletiva, uma palavra que acabei de inventar, porque no antagonismo dela tenho tudo o que preciso. O subjetivo virá de um poema meu em que revisto o lugar do meu corpo ao longo dos anos e, o coletivo, estará em histórias de pessoas de exposição pública. Vamos comigo?


Serventia


Meu corpo sempre foi esse enigma louco sobre si.

A quem pertence?

A quem eu dou?

De dor, ele sempre foi feito:

peitos que nunca crescem

pele que nunca amacia

barriga que não se olha


Mosaico coletivo de mulheres antes de mim

eu viajo nesse corpo


Cartão de visitas por onde quer que vá

essa forma ambulante é alvo de todo olhar e espera

Espera-se curvaturas

espera-se menor espessura

espera-se vagina pura


E assim ele caminha estrada afora

aceitando as trocas de salivas mais vis

só pra sentir aquele arrepio sombrio que diz:

‘Eu sou só minha, sabia?’


Agora vou puxar uns trechos do poema e dialogar com você:


“A quem pertence?

A quem eu dou?”


O fato de me questionar a respeito de algo que caminha comigo desde o nascimento acontece por conta das terríveis experiências de assédio ao meu corpo - “essa forma ambulante é alvo de todo olhar”. E a qual desses olhares eu devo dividir a carne em que habito? Fico pensando se a Dania Mendez, mexicana convidada do BBB 23, pensou a respeito disso quando se viu, em meio a brincadeiras e esticas-e-puxas, que seu corpo estava colado ao do participante Cara de sapato. O braço dele impõe um beijo que não lhe parece agradável, o corpo dele cai por cima do seu e ela ri, em claro constrangimento e vergonha. Ela fala "não" diversas vezes, mas nada adianta. Horas antes, outra pessoa, o cantor MC Guimê, casado com a funkeira Lexa, tocou na sua bunda. Ela rapidamente tirou sua mão e ele, fingindo uma camaradagem, jogou seu braço em volta do pescoço dela, dando-lhe um abraço, sem sentido algum.


“peitos que nunca crescem

pele que nunca amacia

barriga que não se olha”


A pressão estética no corpo feminino é tão brutal que acontece bem o que descrevo no poema. Enxergamos um todo, como pedaços soltos. Meus peitos não cresceram na proporção estética para serem vistos como femininos, por isso, passei anos usando os desconfortáveis sutiãs de bojo. Até mesmo a pele era vista em seus mínimos detalhes. Enquanto meu irmão conseguia namorar e casar com pés ressecados e unhas encravadas, eu enlouquecia para deixar a pele dos meus cotovelos mais macias e femininas. Sobre a barriga… Bem, vou mudar para uma história brutal que descobri esses dias. Pela primeira vez, a artista Xuxa comentou sobre o dia em que ela foi colocar silicone, pouco tempo depois do nascimento da sua filha, Sasha. Admitindo que fez apenas por pressão estética, ela descreve que, ao acordar após a cirurgia, recebe a notícia de que várias partes do seu corpo foram mexidas - sem sua autorização! A médica, além de colocar silicone em uma quantidade maior do que foi combinado com a Xuxa, fez uma lipoaspiração, adicionou gordura no seu bumbum e, de brinde (!), aplicou botox no seu rosto. A apresentadora disse que sua empresária e alguém mais de sua equipe, com certeza, autorizaram a médica a fazer todos esses procedimentos em nome de tornar o seu corpo mais “gostoso”.


“Espera-se curvaturas

espera-se menor espessura

espera-se vagina pura”


O corpo de uma mulher é um local de domínio público, seja dos debates sobre aborto, seja na forma como ela o expressa, especialmente na sexualidade. Nessa passagem do poema estou catando os vários momentos de “espera” que estiveram sobre mim. Quando estava na flor da idade, para experimentar o sexo e suas possibilidades, cada pólo expressava suas expectativas sobre meu corpo. O homem do meu desejo esperava curvas lineares, mas, todas no “tamanho certo”, na espessura que pode ser considerada feminina. Além disso, a eles era vital uma vagina pura, intocada. A inexperiência era um prato cheio para ser desejada e escolhida como a nova presa da caça ao corpo feminino.


Você já se tocou que virgindade é apenas um discurso? Biologicamente não existem maneiras científicas para provar se uma mulher é virgem ou não. Nem cogite falar do hímen, que, de acordo com cada corpo pode ter diferentes formas, sendo que, uma delas, é elástica e, logo, nunca será rompido. Nesse caso, a mulher será virgem para sempre?! E onde está o nível de pureza dessa mulher? Ela pode chupar um pênis, masturbar e ser masturbada, receber sexo oral e até sexo anal, mantendo o seu hímen “intacto”. Ela ainda é virgem? Quem dita isso? Virgindade é um discurso machista, uma forma de controle ao corpo feminino, para ditar onde deve atuar a sua sexualidade.


“E assim ele caminha estrada afora

aceitando as trocas de salivas mais vis

só pra sentir aquele arrepio sombrio que diz:

‘Eu sou só minha, sabia?’ ”


Para fechar nossa conversa, no final da minha escrita eu concluo que ainda que esse corpo caminhe por aí e divida sua pele, saliva e secreções com alguém, sempre será meu! Ainda que as pessoas esperem que ele não tenha os pêlos que mantenho nas axilas, pernas e regiões pubianas; ou que indiquem os sinais de velhice que não posso transparecer ao assumir meu primeiros fios brancos; ou externalizem em palavras que minha aparência precisa decidir entre o feminino e masculino quando me visto de forma não-binária. A cada passo, a cada caminho percorrido, eu pertenço ao meu corpo e ele a mim.


Depois de ler essas histórias, eu lhe pergunto:


A quem pertence o corpo de Karla que sempre foi vigiado a ser mais feminino e adequado ao olhar masculino?


A quem pertence o corpo da Dania Mendez que foi transgredido ao vivo em um programa nacional de grande audiência?


A quem pertence o corpo da Xuxa que foi “corrigido” para o bel prazer de estratégias empresariais?


FONTES:






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1 Comment

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carlosobsbahia
carlosobsbahia
Mar 17, 2023

Essa de Xuxa não sabia,um absurdo! Você falou muito bem sobre a "propriedade" que o corpo feminino se tornou,mas essa da Rainha dos Baixinhos foi assédio integral em estado puro!!!

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