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ARTISTAS FEDEM


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*Santiago Fontoura



Não gosto de artistas. Gentalha progressista que não gosta de trabalhar. Ou que nomeiam trabalho a vagabundagem que colocam em prática. Detesto seus gestos, suas performances, seus hábitos. Detesto o odor. Reclamam do capitalismo, articulam pronomes neutros, enaltecem anarquias e entidades pagãs. Uma pena que o mundo, quando dominado pelo álcool-gel, não os tenha exterminado. Pior: desde então passaram a fazer lives. O que em Duchamps era provocação patética ao establishment se transformou no próprio establishment patético por excelência. E daquele urinol em diante, não por acaso, brota artista feito planta minúscula em meio-fio.

 

Artistas acreditam no próprio charlatanismo que praticam, estão sempre em busca de alcançar o aplauso e a reverência da plebe. O inevitável bocejo do homem simples diante de uma performance artística é a vaia que o artista, inefável em sua vaidade sempre articulada com argumentos idealistas, transforma em aplauso. Inquietos e insatisfeitos frente à indiferença da plateia desdentada, artistas decidem, então, matar todo e qualquer pudor, com o corpo e com as palavras. E querem nos impor que tal imoralidade é “arte”.

 

Mas tudo na vida dos artistas é pura mentira: as canções de exílio, os poemas fragmentados, os textões que já nascem efêmeros, a tinta cuspida à tela, a infame fotografia em preto e branco. Tudo mera performance para acreditarem que são deuses. E quando entorpecidos, de fato, se veem como deuses.

 

O miserável que mente mendigando dinheiro para comprar pão (quando, na verdade, atravessará a rua, na direção do boteco, para mais um gole de cachaça) tem mais valor, é mais íntegro do que o vagabundo convicto que recita versos na praça pública, do que o inútil, no conforto hipster do seu quarto (sempre desarrumado) na casa dos pais, que escreve para seus pares, à espera de convites para palestras, feiras literárias e para a chatice da conversa com o Bial.

 

Num dos raros eventos literários em que estive, numa livraria típica de novela do Manoel Carlos, houve um recital. Homens, mulheres, trans e outros babilaques no centro da roda. Enquanto um berrava versos, zanzando feito imbecil, os outros mexiam os braços simulando dança esquisita, faziam caras e bocas – num teatralismo de quinta categoria – e aos poucos iam tirando as peças das próprias roupas.

 

Do poema, só compreendi o trecho que associava o presidente da república da época a um genocida. O recitador, suando feito cuscuz, ao final, já nu, se masturbou até ejacular. Aplausos efusivos da estúpida plateia (todos com arcada dentária impecável). Saí de lá ainda mais convicto: artistas são inúteis. E fedem. Porém, embora meras excrescências, não são capazes de ter a infalível utilidade do esterco.



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*Escritor e editor de livros. Publicou as seguintes obras: Leitura neon-reciclada (organismo editora, 2014), Adote um maluco (Editora Mondrongo, 2017), poemas para performance (Patuá, 2018), Antipática lira (organismo, 2021), Clausura (Editora Mondrongo, 2022). Editou dezenas de livros para muitas editoras brasileiras e ministra mentorias de escrita e de leitura.



IMAGEM: Depositphotos

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