Ele tá vindo aí! Tá chegando! O carnaval estará nas ruas oficialmente a menos de uma semana após dois anos ausente. As festas populares e pré-carnavalescas agitam o folião até chegar a hora da pulança. Porém, as polêmicas e recadinhos negativos também estão na área. Já avisto na internet e até em alguns outdoors avisos de que grupos étnicos, mulheres, e travestidos NÃO são fantasia, e portanto, devem ser recriminados e a campanha também deve sair atrás do trio e fanfarras para enterrar indumentárias indolentes pra no próximo carnaval sairmos com a fantasia “correta”. No entanto, a historicidade e o teor brincante da fantasia parecem não ter vez diante das novas resoluções que convencionam que certos figurinos e expressões não cabem mais. Será mesmo hein?
Vamos começar pela fantasia de índio. “Índio não é fantasia”, dizem os ativistas. No último carnaval pra valer, 2020, a atriz Alessandra Negrini vestiu uma roupa de índia, com maquiagem e tudo. A indígena Katú Mirim criticou um monte. Mas aí vem o outro lado: quem vestiu Negrini foi Sônia Guajajara, indígena legitima e atual ministra de Estado, que não viu problema nenhum nisso. E aí? Só tem o lado contrário correto? Guajajara não responde por todos e deveria consultar todos os povos indígenas brasileiros pra saber a opinião geral?
No fim dos anos 1960, início dos 1970, pipocaram blocos de índio em Salvador. O produtor cultural Alberto Pitta conta um pouco da história deles no livro recém-lançado “Histórias Contadas em Tecidos – O Carnaval Negro Baiano”. Diz ele:
"Depois do Cacique do Garcia, eles vão para o Tororó. Lá, a escola de samba Filhos de Tororó tem a ideia de fazer aquilo no Tororó e passou a ser o índio. Na sequência, vieram outros blocos de índio, mas todos com nome de tribos americanas, por conta do cinema, dos filmes de cowboy. Ou seja, o cinema americano teve uma forte influência no carnaval da Bahia"
Perceberam? Os blocos de índio surgidos aqui tinham nomes como “Apaches do Tororó” e “Comanches do Pelô”. Não era intenção dos criadores desses blocos carnavalizar o índio, mas abstrair as facetas de personagens dos filmes de faroeste! Por isso que nunca houve “Pataxós de Itapuã” ou “Yanomamis da Boca do Rio”. A reprodução NUNCA foi do indígena, mas do PERSONAGEM dos filmes de bang-bang! O cara pode se fantasiar de papa-capim (um indiozinho criado por Maurício de Souza), e daí?!. Deixando isso bem claro que os coletivos carnavalescos jamais intuíram homenagear ou simbolizar qualquer povo tradicional por aqui.
“Travesti não é fantasia”. Verdade. Mas no universo carnavalesco a inversão sempre prevaleceu: Ladrão prende polícia, pagão catequiza padre, e homem se veste de mulher. Mudar o conceito pelos novos tempos até vale. Porém, os blocos de travestidos não se vestem de Joana, Simone, ou Maria. Algumas fantasias dos últimos anos das Muquiranas – principal bloco desse estilo em Salvador: Batgirl, She-Ra, Branca de Neve, Mulher Maravilha... Seriam essas representações ideais do feminino? Nesse ano, vão homenagear as profissionais de saúde, segundo o bloco, para homenagear as profissionais que trabalharam duro para combater a COVID. Mas desconheço bloco – BLOCO! – que agregue coletivamente fantasias de roupas femininas cotidianas simulando o travestismo. O que vejo são travestidos avulsos, e muitos deles, talvez, travestis reais ou drag queens, transformistas, gente que trabalhe de fato com isso, como vemos em paradas gays.
“Profissão não é fantasia”. “não devemos carnavalizar atividades de ofício”. Olha só... Quando vejo fantasias de policial, bombeiro, enfermeira, professora, etc., não vejo ninguém fantasiado com A FARDA que caracterize que aquele ofício está sendo apropriado por um brincante. Se isso acontecer, deve ser enquadrado. Alguém com jaleco com nome de hospital e pulando atrás do trio não dá!. O que vemos são fantasias estilizadas dessas profissões, que aliás, são muito usados por strippers e go-go boys (será que um dia despedidas de solteiras serão proibidas por isso?). E mais uma vez: a caracterização pode lembrar de P-E-R-S-O-N-A-G-E-N-S. Quando alguém se veste de policia ambiental, não está se reproduzindo o agente que vai resgatar um jacaré ou cobra perdidos em algum condomínio, mas o guarda florestal do parque de Zé Colméia! Não existe fantasia de policial da Rondesp, mas do Guarda Belo! E nunca vi bloco – BLOCO! – de fantasiados nesse nível aí. São foliões avulsos, ou no máximo, vizinhos de prédio reunidos.
Muitas queixas foram bastante positivas e melhoraram muito no carnaval como as campanhas “não é não” e “respeite as minas”. As mulheres estão se sentindo mais à vontade, tanto que pela primeira vez no último carnaval, 2020, elas beberam mais do que os homens (maior número de atendimentos nos postos, segundo Secretaria Municipal de Saúde). Isso demonstra que estão se sentindo muito mais a vontade nos circuitos, sem grandes preocupações de serem abusadas a força. Campanha boa é essa aí, pro bem-estar do folião, e não encontrando problemas sociais naquele que está vestindo pra curtir.
Quem quiser, pode divulgar suas cartilhas contendo o que pode vestir ou não, que música deve tocar e qual não deve, que profissão deve ser homenageada e qual não, vá lá, façam! E ainda coloquem as fantasias possíveis: ventilador, alicate de unha, macarrão, churrasqueira, garrafa de álcool gel, dente de leite, carro do ovo... Sei que são apenas recomendações, ninguém vai no Ministério Público fazer denuncia não. Acho que um pouco de historiografia da festa não faz mal a ninguém, pra impedir que se crie uma fantasia sobre fantasias! Melhor saber um pouco sobre a origem das coisas, porque senão, vira festa de fiscal que manipula e não pula o carnaval.
FONTE:
Guri, acho esse assunto muito delicado para debater em um comentário. Todos eles surgem de discussões nos últimos tempos e assim como o Carnaval nunca foi um evento estático, acredito que novas ideias possam ser incorporadas sem tirar a energia de diversão.