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Foto do escritorEquipe Soteroprosa

B de biscoito?


Por Priscilla Sobral*



A nem tão famosa letra da sigla LGBTQIA+ ainda é por muitas vezes considerada biscoitagem. Segundo nosso querido Vitor Martins, em sua obra Um milhão de finais felizes, b não é de biscoito, mas engloba os bissexuais, que carregam alguns estigmas que convido vocês a problematizar. Lembremos que preconceitos estão por toda parte, e em todo discurso a melhor maneira de se proteger contra esse vírus, que é tão propagador quanto o Covid-19, é assumindo nossa capacidade de esponja, ou seja, de absorver discursos sem nem fazermos ideia de onde provêm.


Tanto para a comunidade hétero quanto para a comunidade homo, a pré concepção de que ser bissexual é ter vida dupla, ser confuso ou ser promiscuo perpassa sobre muitas mentes. Por muitas vezes filtramos nossos discursos automaticamente reproduzidos, por perceber que eles têm uma carga preconceituosa, as vezes não. No entanto, não verbalizar seria o mesmo que não pensar?


Fica difícil entender daquilo que não se experiencia e mais ainda do que não se é problematizado, mas fiquem tranquilos, estamos aqui justamente para refletir sobre.


Primeiramente gostaria de contestar o termo "promiscuidade" que segundo alguns dicionários significa mistura confusa e desordenada, novamente o parâmetro confusão sendo reforçado. Por outro lado promiscuidade é uma característica do promiscuo que se referiria a degradação moral ou relações sexuais com inúmeros parceiros.


Por que bissexuais seriam taxados de promíscuos enquanto que héteros e/ou homos não? Será mesmo que gostar de meninos e de meninas indica uma vida promiscua? E qual seria o problema de ter muitas relações sexuais? Contanto que seja com proteção e consentimento, não há coisa mais saudável! Variar de pessoas? Por que ter contato sexual com muitos humanos seria visto como algo degradante?


Antes de esmiuçarmos esse tema, voltemos ao termo moral e lembremos que este foi uma tradução simplificada e corrompida dos romanos do termo grego ética. Segundo Ahmad Batson(2008), na obra "Altruism: Myth or Reality?", ética significa a interioridade do ato humano, ou seja, aquilo que gera uma ação genuinamente humana e que brota a partir de dentro do sujeito moral, ou seja, êthos remete-nos para o âmago do agir, para a intenção. Por outro lado, êthica significava também éthos, remetendo-nos para a questão dos hábitos, costumes, usos e regras, o que se materializa na assimilação social dos valores. Portanto o termo moral eliminou a dimensão pessoal e privilegiou o sentido comunitário. Alguns dicionários definem moral como regras estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo.


Entremos na questão de que sexo com inúmeros parceiros é contra as regras estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo. Cabe frisarmos que regras são essas? Quem as aceita? Quais períodos de tempos são estes? Quem os determina? Caberíamos nos impor um pensamento religioso que por muitas vezes nem aderimos? No caso ainda mais grave, por que acusamos o outro de praticar a degradação moral de nossas próprias concepções religiosas? Eliminar o quesito individual de ética não seria um caminho para a massificação das ideias e o domínio do corpo do outro?


Lá atrás trouxemos o termo promiscuidade para a comunidade bissexual e novamente cabe aqui frisar que ser bissexual ou sentir atração, tesão, química, por meninos e por meninas não significa realizar o ato sexual com eles e muito menos ao mesmo tempo. Ser confusos? Talvez nós que estamos acostumados com caixinhas, que fomos educados em uma formação romana, moralista, religiosa mesmo sendo ateu, não consigamos compreender nada além de nossas dicotomias de certo e errado, de permitido e não permitido. "Confuso" não seriamos nós por não conceber o diferente ou a alteridade?


Portanto, acredito que o termo ser ou estar confuso diz respeito a nossa necessidade humana de encaixar o outro em um padrão, uma certa forma de nos manter seguros, mesmo que seja uma falsa segurança. A questão é que se somos nós que não conseguimos conceber outra coisa que não a que conhecemos, por que jogamos o que é nosso no outro e o preconcebemos com o julgamento de que o outro é confuso? Desde quando precisamos controlar os atos e os desejos do outro para estabelecermos boas relações?


O controle é uma baita ilusão e quanto mais nos apropriarmos disso seremos seres mais saudáveis para si mesmo e para o outro, proferiremos menos absurdidades, refletiremos nossas incongruências e seremos seres mais convivias.


Ser bi não te determina, não exige que tenha beijado ou tido sexo com ambos os gêneros, muito menos ao mesmo tempo. Viver uma experiencia bi não te torna bissexual, e não viver não te isenta de sentir, de se apaixonar, de desejar vivenciá-la. Promiscuidade é um julgamento de um pensamento que talvez nem você mesmo apoie e que cabe a todos nós, pois não nascemos para sermos prisioneiros de um(a) parceiro(a) sexual, o corpo pertence ao próprio individuo. Confusa é a nossa mente pequena, restrita, necessitada de mais questionamento, de ampla autonomia, pois para sermos livres é preciso quebrar correntes de todo dia, de pensamentos, ideais por muitas vezes antigo(a)s que nem nos cabe mais.


Para terminar, ser hétero não te faz melhor que ninguém, ser homo não te faz inferior e ser bi não te faz um bicho do mato. Afinal, precisamos lembrar de nossos sábios ancestrais gregos que entendiam de prazer, de respeito e de sacralidade; precisamos nos atualizar, pois não estamos na Idade Média. Precisamos quebrar muitos parâmetros ultrapassados.


Para finalizar, cuide-se, quem se ama e se acolhe não acusa, nem agride o outro, símbolo de si mesmo, seu próprio espelho.


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*Graduada em Letras/Frânces (UFBA). Doutoranda em Linguistica Aplicada (UFBA). Autora do livro Eu, Ele e minha melhor amiga.


Link da imagem: https://blogs.uai.com.br/pergunteaopsicologo/80sou-heretossexual-homossexual-ou-bissexual-sinto-me-muito-perdido/

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