COLETIVO MÃES DA UFBA E A LUTA PELA POLÍTICA MATERNA NAS UNIVERSIDADES
- Karla Fontoura
- 12 de jun.
- 6 min de leitura

Napê Nunes é co-fundadora do Coletivo Mães da UFBA e do Coletivo Estudantil Negro Ana Célia da Silva. Mãe solo com rede de apoio do Fernando, mulher cisgênero, preta, pansexual, oriunda de Carapicuíba, periferia da grande São Paulo, estudante de Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia, militante e ativista dos direitos maternos, Napê atua em vários outros grupos feministas e raciais.
Ela foi a representante da Universidade Federal da Bahia no Grupo de Trabalho com a finalidade de promover estudos técnicos relacionados à Política Nacional de Permanência Materna nas Instituições de Ensino Superior Brasileiras.
Confira essa entrevista exclusiva em que ela aborda as conquistas e os desafios das mães universitárias da Bahia e do Brasil.

Como começou sua jornada acadêmica? De que maneira a maternidade afetou essa realidade?
A minha jornada acadêmica começou em 2018 quando eu entro na UFBA, mas, a maternidade cerca a minha realidade antes disso. De fato, eu só entro na universidade a partir da maternidade, quando compreendi que era um fator de exclusão na minha vida. Demorei muito para entrar na universidade depois de ser mãe. Sempre fui politizada e tive um acesso muito amplo à discussão de raça e feminismo, tanto que, antes do Coletivo Mães da UFBA, eu já fui engajada em outro coletivo.
Sempre percebi a opressão sendo uma mulher gorda, preta, periférica e pansexual, mas a maternidade me excluia de certos espaços públicos. Foi aí que entendi que precisava entrar na universidade. Então, cheguei na UFBA para discutir a maternidade. Sou de Carapicuíba- São Paulo e precisei me mudar para Salvador para estudar na UFBA. Nesse momento, eu vivi minha primeira separação física do meu filho. Ele tinha dez anos e eu trinta. Ele ficou com minha mãe e irmãs, outras mulheres na função do cuidado.
O primeiro lugar que fiquei foi na residência universitária e ele não podia ficar. Deixei meu trabalho para me dedicar aos estudos, que era integral, e dependi de uma rede de solidariedade para me manter aqui e manter ele com minha família. Quando consegui trazê-lo, tive muitas dificuldades relacionadas a jornada acadêmica e o suporte necessário para cuidar. Passei desde confrontos diretos com a PROAE, como quando me denunciaram por deixar ele na residência universitária com amigos meus já que meu curso é de período integral, a problemas pessoais que afetaram a vida do meu filho e contribuiu com a decisão dele voltar para São Paulo e permanecer lá até hoje, com minha família.

Como surgiu o Coletivo Mães da UFBA? Quais demandas são debatidas pelo grupo?
Foi a partir dessas situações que passei na universidade, por conta de minha maternagem, que idealizei o Coletivo. Não existe uma política de permanência para as mães na UFBA. O que existe são “arranjos”, como um “cala a boca” para tapear a falta dessa política de apoio materno. Na minha faculdade, a FACED, tínhamos um grupo de pais e mães onde discutíamos essa realidade, falando, por exemplo, de docentes que não gostavam de crianças na sala de aula até opções de lazer para as crianças na UFBA ou na cidade.
Como percebia que existiam ações isoladas que as próprias estudantes desenvolviam, do tipo, criar redes de apoio para ficar com as crianças, puxei a ideia de se criar um coletivo. Começamos nossas atividades apontando as necessidades das mães universitárias e, por vezes, a parentalidade como um todo. Mas, foi pela motivação da Juliana Santos, que já estava no Coletivo desde a fundação em 2019, e da Karol Souza que começamos a fazer a movimentação mais interna na UFBA. Antes disso, estávamos voltadas a ações externas e no Coletivo Nacional de Mães na Universidade.
Temos demandas básicas, como fraldário, contraturno e mais vagas na creche. Tudo é debatido no coletivo e não apenas levamos reivindicações. Chegamos para negociar com a reitoria já com possíveis soluções, detalhes de setores que possam ser responsáveis e o que é demanda orçamentária e as que não exigem esforços pecuniários. Tem soluções que nem precisam de orçamento!
Vou te passar alguns pontos da carta de reivindicações que entregamos à reitoria da UFBA: criação de um censo sobre as mães universitárias; inserção da categoria mãe como critério de desempate para bolsas de graduação e pós-graduação; flexibilização da carga horária; garantia da licença maternidade de seis meses, sem perda de vínculos com outros auxílios; incluir o espaço família e trocador no banheiro; ampliação da faixa etária da creche; expansão do espaço infantil para áreas externas, com acessibilidade e segurança para as crianças, e uma bolsa auxílio que seja especificamente para as mães.
Além de apontar as necessidades das mães universitárias, quais outras estratégias são realizadas pelo Coletivo?
Uma delas é atingir as mães que ainda não acessaram o espaço universitário. Temos conversado com o grupo de mulheres do Alto das Pombas e do bairro Pirajá, no intuito de unificar o interesse dessas organizações com o Coletivo Mães da UFBA. Nossa ideia é focar no acesso de mães à universidade, além da permanência. Queremos chegar nas mulheres e romper a bolha de que quando a maternidade chega, a mulher não possui outras atividades. A mulher pode pensar em seus estudos, em uma outra profissão ou no sonho da graduação.
Outra ideia é ocupar os espaços da UFBA com as crianças, envolvendo a comunidade acadêmica e a comunidade externa. Nesses encontros, conversamos sobre o desenvolvimento infantil e suas diferentes fases. Fazemos essa ação, pelo menos duas vezes no semestre, junto com o grupo de estudo e pesquisa da EEUFBA, o projeto CRIA, que realiza avaliação nutricional das crianças. Com isso, nós mostramos que podemos construir uma rede de apoio às mulheres-mães.
Temos também parceria com a Frente Feminista da UFBA no cuidados das crianças dentro da universidade e queremos mais mães nessa com a gente. Nas ações do Território Mãe, já oferecemos oficinas de samba miúdo, contação de história em cordel, prática de yoga e muito mais. A ideia é mostrar para a população que a universidade não é apenas para os estudantes, mas para toda a comunidade.

O Coletivo Mães da UFBA participou dos fóruns promovidos pelo GT da Política Nacional de Permanência Materna nas Instituições de Ensino Superior Brasileiras. Como foi essa experiência?
Na verdade, eu ocupo uma das vagas do GT. Coletivo todo participou da organização, primeiramente do GT, depois do desenvolvimento da metodologia e regimento e, mais especificamente, a elaboração do Fórum do Nordeste. A experiência foi muito positiva e tiramos como encaminhamento manter esse Fórum nordestino. Pretendemos utilizar algum recurso que a UFBA possa proporcionar para que se realize presencialmente, aqui em Salvador, o próximo fórum. Estamos à frente desse projeto que tem a previsão de ser organizado até o final de 2026 e onde serão discutidas políticas de permanência materna nas universidades do Nordeste.
A parceria com essa organização ajudou a nos entender como um grupo muito potente para pensar políticas às mães universitárias. Além disso, entendemos que não estamos sozinhas em diversos fatores. É naturalizado a não inclusão de mães na universidade e, por vezes, pensamos que somos exclusivas nessa dor. Então, com esse encontro, a gente conseguiu se reconhecer, se organizar e muitas meninas do Coletivo se sentiram mais motivadas com a experiência.
Houve a oportunidade de se discutir teoricamente muitos tópicos em torno da mãe universitária, estabelecendo eixos como, estrutura e infraestrutura da universidade, diversidade, auxílios maternos, parentalidade, paternidade e diretrizes normativas. Nessas discussões, havia a presença de outras estudantes e de reitores/ras, pró-reitores/ras e docentes. Agora elaboramos um relatório do fórum como um produto final para o GT.

O Coletivo está em parceria com o Projeto Mãos Dadas. Quais são os resultados dessa união?
O projeto Mãos Dadas é uma parceria de muito sucesso! Ela nasce da nossa necessidade de expressar os nossos descontentamentos como mães universitárias para o gabinete do reitor. Conseguimos fazer uma apresentação ao gabinete sobre nossa pesquisa atualizada das mães universitárias da UFBA e fomos informadas sobre a existência do projeto Mãos Dadas, que busca aproximar os estudantes e/ou coletivos estudantis à reitoria, para evitar as diversas burocracias que passamos para sermos atendidas.
Com isso, foi super importante ter esse diálogo com esse projeto. É uma união! Elas têm estado com a gente em várias situações. Temos tido reuniões regulares e o retorno tem sido muito positivo. A entrega da carta com nossas reivindicações para o reitor foi realizada por conta dessa parceria. Tivemos a possibilidade de falar sobre o coletivo, sobre o GT e os fóruns. Esse projeto Mãos Dadas tem facilitado bastante esse diálogo e esperamos que a parceria dure muito tempo.
Parabéns pelas iniciativas, que em um futuro próximo as mães tenham mais acesso as universidades.
❤️👏👏👏
Agradeço em meu nome e do Coletivo, a oportunidade de expor nossas atividades, nossa história e nossa luta, esses espaços nos ajudam a ampliar esse debate. Grata gata!