DIA DO TRABALHADOR: Quem cuida de quem cuida?
- Nieissa Pereira
- 4 de mai.
- 3 min de leitura

Nesta semana, no dia 01 de maio, comemoramos o Dia do Trabalhador. Neste dia tão emblemático e histórico, as redes sociais e as instituições se enchem de homenagens, frases prontas e postagens exaltando os seus colaboradores e colaboradoras. Há, claro, muito o que comemorar: conquistas históricas arrancadas com sangue e suor dos movimentos trabalhistas, jornadas reduzidas, direitos garantidos, espaços de negociação. Mas há, sobretudo, ainda há muita luta, como o fim da escala 6 x 1, porém, aqui, falaremos de outra luta, por vezes invisível e que sustenta a vida de muitos e muitas: a economia do cuidado.
Falar em economia do cuidado é falar da sustentação material e emocional da sociedade. As mãos que preparam a comida, limpam a casa, vestem as crianças, cuidam dos idosos, acompanham os doentes, acolhem o sofrimento alheio, escutam, afagam, apoiam, também é trabalho, mas raramente é reconhecido como tal. E quando é, costuma ser mal pago, mal regulado, mal respeitado.
Não é surpresa e nem acidente histórico que esse tipo de trabalho tenha sido, ao longo dos séculos, atribuído majoritariamente às mulheres, sobretudo às mulheres negras e periféricas. A naturalização dessa divisão é um reflexo direto de um sistema patriarcal, racista e capitalista que se aproveita da divisão sexual e racial do trabalho para naturalizar a desigualdade. O cuidado, quando é realizado dentro de casa, é visto como “amor” ou “obrigação”.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 76% do trabalho de cuidado não remunerado no mundo é realizado por mulheres, que dedicam horas diárias a cozinhar, limpar, cuidar de crianças, idosos e doentes. Se esse trabalho fosse contabilizado nos moldes da economia formal, sua estimativa global ultrapassaria os 11 trilhões de dólares por ano — uma riqueza invisível que sustenta o funcionamento das nações, mas que continua ignorada pelas políticas públicas.
Tão essencial é o trabalho de cuidado que, sem ele, nenhuma outra atividade remunerada poderia existir. É a base invisível que sustenta todas as demais formas de produção e circulação de riqueza. No Brasil, a história confirma essa centralidade: desde o século XIX até o Censo de 2010, o serviço doméstico remunerado aparece como a principal ocupação entre as mulheres. Isso não é casual, mas um reflexo direto das profundas desigualdades sociais e estruturais que atravessam a formação do país.
Como mostram a economista Hildete Melo e a cientista política Débora Thomé no livro Mulheres e Poder, estima-se que em cerca de 15% das famílias brasileiras exista uma mulher contratada para realizar o trabalho doméstico. E essas trabalhadoras têm cor e classe social bem definidas: em sua maioria, são mulheres negras e de baixa renda, muitas das quais enfrentam jornadas duplas ou até triplas, dividindo-se entre o cuidado com os filhos, o serviço prestado a outras famílias e, frequentemente, o trabalho informal. Trata-se de uma engrenagem cruel que transfere o cuidado de uma mulher para outra, perpetuando desigualdades e explorando afetos como se fossem recursos infinitos.
E se esse trabalho parasse? E se, por um dia, todas as mulheres que cuidam — nas casas, nos hospitais, nas escolas, nas creches, nas ruas — decidissem parar? O país colapsaria. O mercado travaria. O capitalismo entraria em crise. O problema é que essa hipótese, apesar de possível, nunca é cogitada seriamente. Porque o trabalho de cuidado ainda é considerado “natural”, “feminino”, “instintivo”. E por isso mesmo, desvalorizado.
No Dia do Trabalhador, é urgente ampliar o olhar e o debate. Não se trata apenas de lutar por mais empregos, mas de repensar o que é trabalho. Não se trata só de exigir direitos formais, mas de reconhecer os direitos negados à base silenciosa da sociedade. Valorizar o cuidado é uma questão de justiça. É romper com o silenciamento. É reorganizar prioridades. É, enfim, imaginar outro mundo possível.
Afinal, que tipo de sociedade queremos construir, se seguimos invisibilizando quem cuida de nós?
REFERÊNCIAS:
MELO, Hildete Pereira de; THOMÉ, Débora. Mulheres e poder: histórias, ideias e indicadores. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.
Politize! – Economia do Cuidado: o que é e qual sua importância? Disponível em: https://www.politize.com.br/economia-do-cuidado. Acesso em: 01 maio. 2025
imagem: Matrizes do Bordado
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