Por Maria Ávila*
Na bagunça dos dias, eu me perco ou me encontro? Podei poemas que já não soavam como deveriam, mas como haveria de ser esse padrão de poema? Como haveria de ser a vida sem haver vida-morte-vida, bagunça, desordem e desvio? Fiz uma pilha com todos os livros, aqueles mesmos que coloquei em ordem na estante, dela eu só os tirava para limpar. Colocando todos de volta na mesma ordem, sem errar.
A ansiedade faz isso, vivo na programação do futuro, sempre um passo certo após o outro, para não bagunçar tudo. Mas a vida me sacode pelos ombros todos os dias, e eu dou murros na ponta da faca. Deixo sangrar a leveza do cotidiano, deixo esvair o que faz pulsar os dias. Não pode. Não deve. Não assim. Preciso estar à frente, antes que o coração acelere e tudo se confunda com tudo. Antes que nos outros eu veja o problema que, na verdade, só cabe aqui dentro.
Organizo cada passo, cada coisa, porque o medo de errar é maior do que a liberdade. Mas como sufoca comprimir o próprio pescoço todos os dias. Como é grande a angústia de saber-se frágil e refém de si próprio. O coração fica tão apertadinho. E como minha mãe sempre disse: "Cuidado, minha filha, coração é terra em que ninguém anda", não dá para medir com precisão o que se passa no lado de dentro. Não sabemos as verdadeiras intenções dos outros, não nos conhecemos inteiramente, por isso "sempre" e "nunca" só existem plenamente no dicionário, a frequência dos dias é bagunçar as horas, dançar com as demoras e revirar as histórias.
Até mesmo a asa de uma borboleta pode trincar a paz quando ela é de vidro, e todos os cacos caem com a ponta virada para as cicatrizes, dores antigas voltam a doer, as feridas fechadas nem estavam curadas como imaginamos, precisam arder mais um tanto para sarar. Por isso, escrevo. E escrevendo consigo sobreviver. Escrevo, sem saber muito o porquê. Sem saber muito para quê.
Mas escrevo, por que afinal, para onde vão as palavras não ditas? Hoje baguncei os livros, o feed do Instagram, os cabelos, os sentidos, o planejamento da semana. Tirei do lugar o que já não estava no lugar há um bom tempo: eu mesma. Perdi o centro de mim, perdi a órbita do meu universo. Sem verso, sem unir, sem poesia. Perdida. Parada. No meio do mar de ser eu, falível, falha, defeituosa. Não há terra à vista, por que "Navegar é preciso". Navego confusa, mas viva, e apesar dos arranhões, ainda inteira para recomeçar.
Na bagunça dos dias, eu me abraço, me acolho.
* Escritora e Organizadora da Antologia Mulheres, Afeto e Liberdade. Instagram: @mariamariapoesia
Comments