top of page

ENTRE RAZÃO E EMOÇÃO: Futebol e política


ree


A relação entre futebol e política pode ser compreendida a partir da interação entre racionalidade e emoção. Tanto o futebol quanto a política possuem estruturas racionais bem definidas, mas, em seus momentos de ápice (no jogo e na eleição) a emoção predomina e frequentemente sobrepõe a razão. Essa dinâmica revela aspectos do comportamento humano, especialmente no que diz respeito ao pertencimento coletivo, à identidade simbólica e à irracionalidade que muitas vezes orienta decisões aparentemente racionais.


O futebol, como fenômeno esportivo e cultural, não se limita à imprevisibilidade do jogo em si. Ele é um sistema estruturado racionalmente, com regras, estatísticas, investimentos financeiros, planejamento tático e estratégico. Os clubes organizam suas equipes baseando-se em dados, analisando o desempenho dos jogadores e desenvolvendo métodos para otimizar resultados. Há uma racionalidade econômica que rege o futebol, desde a organização das ligas até a gestão dos direitos de transmissão e do marketing esportivo.


A política, de maneira análoga, é um campo eminentemente racional no que se refere à sua estrutura organizativa. Os partidos políticos desenvolvem programas, constroem estratégias de campanha, realizam pesquisas de opinião e estabelecem discursos direcionados a determinados segmentos da sociedade. O funcionamento dos poderes legislativo, executivo e judiciário também obedece a normas e procedimentos racionais que garantem a governabilidade e a estabilidade institucional.


Porém, tanto no futebol quanto na política, a previsibilidade e a racionalidade das estruturas encontram um limite: a explosão emocional do jogo e das eleições.


Se o futebol é um sistema racional, o jogo de futebol é o momento em que a emoção atinge seu auge. Durante uma partida, torcedores não analisam friamente estatísticas ou desempenho técnico; ao contrário, reagem com paixão, exaltação, raiva, frustração e euforia. Um gol no último minuto pode reverter completamente a percepção sobre um time ou um treinador, independentemente da coerência tática ou da superioridade técnica demonstrada ao longo do jogo.


Na política, ocorre algo similar: se a política é um campo racional, as eleições representam seu momento de maior carga emocional. O voto, embora muitas vezes justificado por argumentos racionais, é frequentemente movido por sentimentos de esperança, medo, indignação, carisma do candidato ou identificação afetiva. Discursos populistas, promessas grandiosas e narrativas simbólicas têm um impacto muito maior sobre o eleitorado do que programas de governo bem estruturados e baseados em evidências.


A emoção pode levar torcedores e eleitores a decisões que desafiam a lógica. No futebol, um técnico vitorioso pode ser demitido por pressão popular após algumas derrotas, ainda que seu trabalho tenha sido bem estruturado. Na política, candidatos com propostas inconsistentes podem ser eleitos graças ao apelo emocional de suas campanhas, enquanto candidatos mais preparados podem ser rejeitados por não despertarem engajamento afetivo.


Tanto no futebol quanto na política, há um forte componente de identidade coletiva e comportamento de massa. No estádio e nas campanhas eleitorais, o fenômeno da identificação emocional com um grupo leva indivíduos a se alinharem com um time ou partido quase como um ato de fé, ignorando contradições e justificando erros de seus ídolos.


O torcedor de um time dificilmente muda de clube, independentemente da qualidade da equipe ou da gestão. O mesmo ocorre na política: muitos eleitores permanecem fiéis a um partido ou um político, mesmo quando as evidências sugerem que suas escolhas não são as mais racionais. Isso ocorre porque a identidade grupal é construída não apenas por argumentos, mas por narrativas simbólicas, memórias afetivas e laços emocionais.


O fenômeno do "nós contra eles" aparece tanto no futebol quanto na política. A rivalidade entre times transcende o jogo e se torna uma questão de orgulho, muitas vezes levando a comportamentos irracionais, como brigas de torcidas. Da mesma forma, o sectarismo político leva a polarizações intensas, onde eleitores rejeitam informações contrárias às suas crenças e se fecham em bolhas ideológicas.


Outro ponto central é o papel da mídia no fomento da emoção tanto no futebol quanto na política. Jornais esportivos, programas de TV e redes sociais amplificam a paixão dos torcedores, criando narrativas emocionais que reforçam o envolvimento afetivo com o jogo. O mesmo acontece na política, onde a cobertura jornalística, as fake news e as estratégias de marketing eleitoral influenciam a percepção pública e mobilizam emoções intensas, como indignação e euforia.


A espetacularização das eleições faz com que debates políticos muitas vezes se assemelhem a confrontos esportivos, nos quais a vitória simbólica é mais importante do que a qualidade do argumento. Em vez de aprofundar discussões racionais, os debates eleitorais são reduzidos a frases de efeito e embates passionais que inflamam a torcida.


A predominância da emoção sobre a razão no futebol e na política tem consequências importantes. No futebol, pode levar à instabilidade de clubes, à demissão impulsiva de técnicos e ao fanatismo cego. Na política, pode resultar na eleição de candidatos despreparados, no reforço de discursos extremistas e na dificuldade de um debate público qualificado.


Como sociedade, é essencial buscar um equilíbrio entre razão e emoção. No futebol, isso significa valorizar projetos de longo prazo em vez de decisões impulsivas baseadas em resultados imediatos. Na política, significa incentivar um eleitorado mais crítico e informado, que consiga separar apelos emocionais vazios de propostas efetivamente viáveis.


Entender essa dinâmica nos permite perceber que, apesar da inevitabilidade da emoção no comportamento humano, somos responsáveis por como ela influencia nossas escolhas. Tanto no estádio quanto na urna, a paixão pode ser legítima, mas nunca deve substituir completamente a reflexão racional.


Essa análise evidencia como futebol e política compartilham uma estrutura semelhante, onde a emoção e a razão disputam espaço. Em última instância, compreender essa relação nos ajuda a pensar criticamente sobre nossa própria participação nesses fenômenos e sobre como podemos evitar ser manipulados pela emoção em momentos decisivos.


IMAGEM: Norberto Rotter

10 Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
Guest
Aug 04
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente reflexão 👏👏👏

Like

Tamires Santos Barreto
Aug 04

Futebol e política se cruzam ao mobilizar emoções e construir identidades. Enquanto o futebol desperta paixões coletivas, a política usa essas emoções para fortalecer discursos e obter apoio. Governos promovem eventos esportivos para ganhar popularidade ou distrair a população, mas o futebol também pode ser espaço de protesto e resistência. Razão e emoção se misturam nesse cenário de influência mútua.


Like

Andreia Souza Reimão
Aug 04
Rated 5 out of 5 stars.

Futebol e política seguem regras e são organizados com lógica, mas nos jogos e nas eleições a emoção fala mais alto. As pessoas se envolvem com paixão, muitas vezes deixando a razão de lado. A mídia aumenta esse sentimento e isso pode levar a decisões ruins. Torcedores e eleitores seguem seus times e candidatos por emoção, mesmo quando não faz sentido. É importante equilibrar sentimento e pensamento para fazer escolhas melhores.

Like

Rita Claudia Conceiçao Santos
Aug 04
Rated 5 out of 5 stars.

Interessante relacionar futebol e política, dois campos que mobilizam massas e despertam fortes emoções. A comparação ajuda a entender como decisões importantes muitas vezes são guiadas por sentimento e identidade, mais do que por lógica.

Like

Sabrineb
Aug 04
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente reflexão! O texto revela com clareza como o futebol e a política, embora estruturados pela racionalidade, são atravessados por afetos que moldam decisões e comportamentos coletivos. A comparação entre o voto e o gol — momentos de catarse emocional — mostra que entender o jogo simbólico por trás dessas escolhas é essencial para uma sociedade mais crítica. Em tempos de polarização, esse equilíbrio entre razão e emoção é urgente, tanto para evitar fanatismos quanto para fortalecer a democracia.

Like
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page