Manoela Nunes de Jesus
Durante muito tempo, na literatura infantojuvenil brasileira, predominaram histórias que, através de personagens que serviam como referência de vida, tinham como principal propósito ensinar a leitores ainda tão jovens o que era certo ou errado, de acordo com os valores dominantes. Contudo, é possível perceber que esse tipo de literatura vem, há algumas décadas, caminhando para uma outra direção, assumindo um caráter mais social ao possibilitar que crianças e adolescentes reconheçam nas páginas dos livros suas paixões, anseios, inseguranças e conflitos.
Assim sendo, surgem trabalhos de autoras como Thalita Rebouças, cujos romances, a exemplo de “Fala sério, mãe” e “Ela disse, ele disse”, têm ganhado várias adaptações para o cinema, e Paula Pimenta, reconhecida, sobretudo, por suas séries de livros “Fazendo Meu Filme” e “Minha Vida Fora de Série”. Nesse contexto, destacam-se também as produções da escritora Priscilla Sobral, que, embora recém-chegada ao universo da literatura infantojuvenil, já se provou capaz de estabelecer um diálogo genuíno com a realidade de seu público.
Nascida no Rio de Janeiro em 1987, Priscilla Cordolino Sobral conta histórias desde que se entende por gente, começando pelos seus teatros de fantoches, dentro de casa, até trazer suas ideias para o mundo virtual, especialmente por meio de seu primeiro lançamento. Apaixonada pela leitura e pela escrita, a autora é graduada em Letras, mestra em Literatura e Cultura, no domínio da Tradução Cultural e Intersemiótica, e doutoranda em Língua e Cultura, no domínio da Linguística Aplicada, pela Universidade Federal da Bahia. Além disso, ela mostra seu fascínio pelo aprendizado de novas línguas como professora de Francês como Língua Estrangeira e Literatura de Língua Francesa, combinando o amor pela educação, que já dura há mais de dez anos, e a criação de suas histórias.
Nos últimos quatro anos, Priscilla já publicou dois livros, “Eu, ele e minha melhor amiga” e “Pandora: a garota interestelar”, que, mesmo com as diferenças temáticas e estruturais que conservam entre si, chamam atenção por incentivar, ao mesmo tempo, a reflexão e a imaginação.
A obra “Eu, ele e minha melhor amiga”, publicada em 2018, narra a história de Emília, uma adolescente órfã de mãe que, além de ser apaixonada por rock, futebol, matemática e jogos, compartilha em um diário os acontecimentos de seu cotidiano e os momentos mais importantes de sua vida. Aos 17 anos, tudo que ela queria era entrar para o time de futebol da escola e ver o show da Pitty, mas a sua vida pacata em Salvador muda completamente quando ela começa a gostar do namorado de sua melhor amiga Cíntia, que enxerga o mundo cor-de-rosa e sempre se apaixona por garotos diferentes. Tentando preservar a única amizade que possui, Emília se envolve em diversos equívocos e confusões a fim encontrar uma conclusão para esse novo sentimento que chegou sem permissão. Em meio a essa aventura, da qual também fazem parte personagens como Miguel, Ellen, Fábio e Marcos, a protagonista não só percebe que a vida, que por si só já é um grande aprendizado, não pode ser controlada, mas também descobre que o amor pode estar onde menos se espera.
Atestando a aptidão da autora de falar sobre e para os jovens, o livro consegue ir além de um mero romance adolescente ao tratar de questões que precisam ser discutidas, como padrão de beleza e machismo, mas que costumam ser deixadas de lado ou abordadas equivocadamente pela nossa sociedade. Nesse sentido, a trama, além de ser jovem e leve, consegue apresentar um lado muito real e reflexivo, que permite aos leitores, independentemente da idade que possuam, se conectarem e identificarem com os personagens, os quais são diversos tanto na personalidade quanto na aparência.
Ademais, a obra, que é narrada em primeira pessoa e traz apenas a versão da Emília, conta com um texto que, apesar de ser fluido e simples, foi redigido com maestria, revelando o estilo divertido e criativo da escritora. Isso torna a leitura dos 24 episódios da história muito mais fácil, rápida e agradável, algo que é intensificado ainda graças às ilustrações das experiências vivenciadas pelos personagens e das letras de música presentes no final de cada capítulo.
“Eu, ele e minha melhor amiga” integra, portanto, esse novo momento da literatura infantojuvenil, que sofreu um grande estímulo inovador para adaptar-se às particularidades de leitores pertencentes a uma sociedade alfabetizada e habituados aos sistemas audiovisuais. A eles se destinam livros como esse, que procuram se distanciar de pressupostos como o uso de uma narração onisciente e a criação de um enredo linear, estabelecidos por aqueles que, normalmente, ignoravam a capacidade intelectual das crianças e adolescentes.
Dessa maneira, Priscilla Sobral, assumindo um posicionamento mais centrado em expor os problemas do que em encobri-los, consegue acertar nos assuntos que traz em sua história, na descrição da realidade que apresenta e nos valores que propõe. Por isso, ela colabora significativamente para a revitalização da literatura infantojuvenil, enfraquecendo o consenso acerca da manutenção da infância e juventude como fases da vida inocentes e imaculadas, pensamento usual nas narrativas de décadas anteriores.
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Uma honra ter uma resenha de meu romance. Muita gratidão!