EXISTEM RAÇAS HUMANAS?
- Manuel Sousa Junior

- há 3 dias
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A ideia de que a espécie humana é dividida em raças é baseada nas diferenças físicas/visíveis entre as mais diversas populações, como por exemplo, a cor dos olhos, traços do rosto, tamanho dos braços e pernas e cor da pele. Todas essas características são determinadas por informações genéticas presentes no genoma de cada indivíduo, que interagem com o ambiente e expressam fenótipos diferentes.
Desde o século XVI que cientistas europeus se debruçaram nos estudos raciais para tentar categorizar e hierarquizar as raças humanas. O médico francês François Bernier (1625-1688) foi o primeiro pensador a dividir os seres humanos em quatro ou cinco espécies de raças de homens.
O sueco Carl Von Linné (1701-1778), em 1758, foi o primeiro a propor uma classificação propriamente dita da espécie humana em raças, dividindo-a em seis tipos de acordo com a geografia continental e com um esquema de cores.
O naturalista francês Georges Cuvier (1769-1832) fez diversas pesquisas sobre anatomia comparada dos animais e publicou as bases de um sistema de classificação animal. Ele defendia que existiam três raças humanas: branca, amarela e negra.
O francês Georges-Louis Leclerc (1707-1778), conhecido como conde de Buffon, acreditava que as raças humanas surgiram por degeneração ocasionada por fatores ambientais/climáticos, má alimentação e costumes diversos. Para ele, a degeneração poderia ser revertida, caso houvesse um controle dos fatores degeneracionistas, levando todas as raças a serem caucasianas. A raça original e superior, portanto, era branca. Os brancos da Europa setentrional eram o ápice da hierarquia das raças.
Já o holandês Petrus Camper (1722-1789) foi o precursor da antropometria, ele mediu o ângulo facial em símios (macacos), negros, chineses e brancos e elaborou uma escala que ia do mínimo ao máximo de curvatura. O ângulo era formado por duas linhas, uma horizontal da narina até a orelha e a outra perpendicular da parte avançada do maxilar superior até a parte mais proeminente da testa.
O alemão monogenista Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) propôs uma classificação racial humana, baseada nos princípios de Linné, em cinco principais raças humanas distribuídas em todos os continentes: caucasóide, mongolóide, etiópica, americana e malaia.
Em resumo, os teóricos da raça ao longo dos séculos XVIII e XIX consideraram entre três e mais de 30 raças humanas com base em características raciais como cor da pele e dos olhos, aspecto do cabelo, formato do nariz, lábios e cabeça. Todo esse histórico fez com que o século XIX, período de grande efervescência na ciência, despontasse como um período em que os intelectuais debruçaram-se com afinco para diferenciar os tipos humanos a partir de uma perspectiva biológica.
Diversas outras ciências e teorias foram sendo desenvolvidas e desdobradas ao longo dos anos para tentar explicar uma possível hierarquia entre as raças humanas, cada uma com seus fundadores/defensores, geralmente, cientistas respeitados no meio intelectual, como, por exemplo: Frenologia defendida por Franz Joseph Gall (1758-1828) na França; Antropologia Criminal liderada por Cesare Lombroso (1835-1909) na Itália e Eugenia idealizada por Francis Galton (1822-1911) na Inglaterra.
A separação e categorização de raças levou à criação das raças consideradas inferiores, porque representavam um estágio anterior a evolução biológica ou da evolução sócio-cultural, ou então de ambas, ou seja, existia toda uma hierarquização da evolução das raças, com o branco europeu no topo dessa cadeia evolutiva. Para a intelectualidade da época, a inferioridade era comprovada, pois a raça superior era dotada de tecnologia mais avançada, era militarmente mais poderosa, mais rica, e claro, portanto, mais bem sucedida nos caminhos da humanidade.
Os geneticistas da atualidade não reconhecem qualquer caráter científico para o conceito de raça biológica humana. Tanto a Genética clássica quanto o Projeto Genoma Humano não reconhecem especulação sobre a distinção dos seres humanos em categorias biologicamente fundamentadas. Entretanto, a ideia de raça permanece ativa na atmosfera intelectual o que acontece em virtude de discussões e formas histórico-sociais de desigualdade e discriminação, tendo, como elemento de referência, os aspectos da Biologia e Saúde humanas.
Nesse sentido, a raça não é um dado biológico, mas sim construtos sociais, formas de identidade baseadas em uma ideia biológica errônea, mas eficaz socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios. Assim, a raça deixou de ser um conceito biológico e passou a ter um caráter sociológico, como ainda permanece na contemporaneidade.
Ideais estimulados pelo racismo científico, superioridade racial e degeneracionismo oriundos dessas novas ciências e teorias chegaram ao Brasil por intermédio de filhos da elite nacional que voltavam de estudos na Europa e por expedições científicas ao longo do século XIX. Desse modo, medidas e políticas foram sendo implementadas por meio da subjetivação da população, sobretudo, ao longo das primeiras décadas do século XX, como a Eugenia, a Higiene, o Sanitarismo, o Darwinismo Social e o branqueamento da população. Os teóricos da raça no Brasil foram influenciados pelas novidades que chegavam do exterior e, a partir disso, refletiram, problematizaram e publicaram suas análises exaustivamente, influenciando intelectuais e o meio político, mas esse é assunto para um outro texto.
Você tinha conhecimento desse processo de amadurecimento do conceito de raça pela intelectualidade europeia? Consegue perceber como essa ótica europeia colonial ainda se faz presente na sociedade? Sabia que o século XIX foi o principal período de disseminação para o racismo científico, precursor do racismo estrutural da nossa sociedade? Consegue perceber que a raça foi pensada inicialmente como conceito biológico e hoje é percebida como um conceito sociológico? Deixe suas impressões nos comentários.
REFERÊNCIAS:
DIWAN, Pietra. Raça pura: uma história da Eugenia no brasil e no mundo. São Paulo: Editora Contexto, 2007. 158 p.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999. 256 p.
MACEDO, Cristian Cláudio Quinteiro. A influência da Frenologia no Instituto Histórico de Paris: raça e história durante a Monarquia de Julho (1830-1848). Revista humanidades em diálogo, v. 7, n -, p. 127-145, 2016.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das letras, 1993. 373 p.
SOUSA JUNIOR, Manuel Alves de. “Branco com branco, preto com preto”: contribuições da educação eugênica para a branquitude no Brasil (1909-1945). 2025. 329 f. Tese (doutorado) - Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2025.
Referência da imagem:
GUÉRIN-MÉNEVILLE, Félix Édouard. Dictionnaire pittoresque d'histoire naturelle et des phénomènes de la nature. Paris: imprimerie de cosson, 1838. Tome Septième, 640 p. Disponível em: https://www.biodiversitylibrary.org/item/111205#page/8/mode/1up. Acesso em: 21 set. 2023.



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