FRANCISCO, UM PAPA
- Everton Nery
- 21 de abr.
- 3 min de leitura

A morte de Francisco (nascido Jorge Mario Bergoglio) não é apenas a despedida de um pontífice, mas a clausura simbólica de uma instituição que, pela primeira vez em séculos, ousou pensar diante do conservadorismo ortodoxo, ousou dialogar com os rejeitados, e, sobretudo, ousou errar publicamente. Morre o homem que trocou os tronos por albergues, o ouro por aço, os palácios por quartos simples, e que, em sua frágil e obstinada corporeidade, ofereceu o rosto nu de uma espiritualidade desencantada com os próprios altares, sendo uma contradição viva: combateu os abusos, mas hesitou diante do poder eclesial; acolheu os que amam sem seguir o modelo tradicional. Foi o Papa da misericórdia que exortou padres a se comportarem como aqueles com cheiro de ovelha, sem jamais postura de lobo. Ele se comportou como jesuíta disciplinado, tendo sussurrado e por vezes gritado em tons mais humanos.
Argentino de sangue e de alma, torcedor fervoroso do San Lorenzo de Almagro, jamais negou suas raízes, mesmo que zombasse de si com ironia: “Deus é brasileiro”, dizia ele entre sorrisos, mas foi um argentino quem sentou-se no trono de Pedro para lembrar que o Espírito sopra onde quer, inclusive nas arquibancadas sul-americanas, entre pastéis e futebol, entre tango e rosários.
O que o torna inusitado e digno de ser lido à luz de uma hermenêutica cristã é que ele jamais quis ser extraordinário. Francisco operou uma teologia da normalidade: lavou pés de doentes de AIDS, não como gesto performático, mas como sacramento do ordinário. Não se travestiu de santo; pelo contrário, declarou-se "grande pecador" ao aceitar o papado. E talvez aí esteja seu maior milagre: ter mantido a fé em Deus, mesmo cercado de cúrias que conspiravam contra ele, mesmo sentado num trono que tentou transformar em banco de praça.
Um gesto seu radical talvez tenha sido o mais silencioso: a oração solitária na Praça de São Pedro, vazia e molhada de chuva, em março de 2020, no auge da pandemia de COVID-19. Ali, com os olhos voltados para o crucifixo, sob a escuridão que pesava sobre o mundo, ele representou não a majestade, mas a vulnerabilidade. Estava só, tal como Jesus no Getsêmani, frágil, orando pela humanidade mergulhada no medo e na morte.
Sua crítica ao capitalismo selvagem, sua denúncia à “cultura do descarte” e sua recusa ao tradicionalismo litúrgico o posicionaram como um Papa sobrevivente do tempo, que ousou ser futuro num mundo de passado. Francisco se fez herege aos olhos dos fanáticos e revolucionário para os olhos progressistas. Sua morte não fecha um ciclo. Abre uma ferida. É preciso continuar a liturgia do inacabado, esse evangelho sem conclusões, pois Francisco não canonizou a dúvida, mas a acolheu como um sacramento possível. Ou seja, ele não tratou a dúvida como inimiga da fé, mas como parte do caminho da fé. Ele reconheceu que o ser humano crente pode, e muitas vezes deve, atravessar o deserto da incerteza, conviver com perguntas sem respostas imediatas, e dialogar com o mistério, sem ser por isso excluído ou condenado.
Morre Francisco, e com ele fica o eco de suas palavras, ditas entre guerras e pandemias, entre escândalos e silêncios: "Quem sou eu para julgar?". Que outro papa será capaz de fazer da humildade um ato de existência? Que outra figura carregará nas costas a cruz recusando-se a subir ao Gólgota da autoglorificação?
Francisco não será lembrado apenas como o primeiro Papa latino-americano, ou o primeiro jesuíta no trono de Pedro. Será lembrado como aquele que, ao invés de reinar, tentou, com todas as limitações de um homem: servir. Um Papa que nos fez pensar sobre ser possível uma Igreja sem palácios, uma fé sem cruzadas e uma espiritualidade sem exclusão. Continue sua travessia Francisco, ela tem sido incrível. Um xêro nesse seu grande coração!
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O texto me fez refletir sobre a beleza de um líder que não se acomodou ao poder tradicional, mas escolheu a simplicidade e a humildade como forma de verdadeira liderança. Francisco aparece como alguém que humanizou a espiritualidade. Ele não buscou a perfeição, mas a autenticidade, abrindo espaço para dúvidas, erros e uma fé mais verdadeira e próxima do cotidiano das pessoas. Uma lembrança inspiradora de que servir e transformar podem andar juntos, mesmo em meio às maiores contradições.
O Papa Francisco apresentou uma nova visão de Igreja longe de ostentação e entregue à proximidade humana, era um sujeito empático e atento aos mais vulneráveis, ele mostrou que a grandeza não está no cargo em que você ocupa, mas em como você trata as pessoas. Além disso, abraçou a dúvida como amiga da fé e ensinou que tudo bem ter perguntas, pois a incerteza faz parte do processo, certamente foi um papa que quis fazer o melhor pela Igreja, os fiéis e o mundo.
A leitura faz uma homenagem ao Papa Francisco e destaca alguns marcos em sua trajetória. Conforme a leitura do texto, o autor nos passa o carinho e respeito com quem foi o Papa Francisco e que alguns de seus feitos ficaram guardados para sempre na memória de muitas pessoas.
O texto é uma homenagem sensível e crítica ao Papa Francisco, destacando sua coragem em humanizar o papado, dialogar com os excluídos e enfrentar o conservadorismo da Igreja. Ele é lembrado como um líder que serviu com humildade, acolheu a dúvida como parte da fé e trouxe uma espiritualidade próxima do cotidiano. Sua morte marca o fim de uma era, mas deixa um legado de empatia, simplicidade e transformação dentro da Igreja.
A morte de Francisco marca o fim de um pontificado feito de gestos simples e palavras profundas, onde a misericórdia falou mais alto que o dogma. Ele não buscou glória, mas serviço — e, nisso, tornou-se inesquecível.