Se eu te perguntar algo, me responda rápido: quem é mais carente, homem ou mulher? Aposto que a mulher será a primeira opção que vem à sua mente, mesmo que você queira analisar melhor a situação após alguns minutos.
Temos a imagética da mulher como um ser frágil, emocional e dependente. Nossa mente sabe visitar repetitivos eventos onde vimos mulheres correrem atrás de homens, chorarem por eles, perderem o apetite e até o gosto pela vida por conta de um amor. Misturado a isso, talvez se misturem cenas de filmes, peças de teatro e muitas letras de música onde toda a expressão do sentimento de apego recai em uma mulher, reverberando um padrão de comportamento de enorme fidelidade e dedicação ao amado, ao ponto de fazer tudo por ele e não conseguir se desapegar de relacionamentos.
Por outro lado, relacionar sentimentos a homens parece algo improvável. Acessamos memórias deles traindo suas companheiras (inúmeras vezes!), como se não as amassem, ou trocando de parceiras como quem troca de sapatos, como se não houvesse uma figura de adoração central para seus corações. Alimentados pelo discurso de gênero, enxergamos os homens como pessoas mais secas, diretas, objetivas que não têm tempo ou paciência para expressar sentimentos, trocar carinhos espontâneos ou fazer declarações homéricas. Logo, eles provavelmente serão menos carentes, menos necessitados de relacionamentos, casamentos ou qualquer tipo de apego. De fato, aqueles que seguem esse padrão tendem a ser vistos de forma glamorosa, como “lobos solitários”, figuras que poderiam ter todas as mulheres do mundo aos seus pés, mas, preferem o desapego a esse tipo de sentimento.
Era particularmente assim que um ex meu era descrito por seus amigos antes da gente começar a namorar. Acho que, de certa forma, aquilo me intrigou, porque eu estava há um ano separada de um rapaz que sempre jogava na minha cara como eu era carente e que eu não podia cobrar seu carinho e atenção o tempo todo. Me aproximar de alguém que parecia ter uma personalidade mais solitária, que não fazia questão de relacionamentos seria uma forma de “curar” minha característica carente e apegada. De uma certa forma, fazia sentido eu me ver dessa maneira porque as mulheres são ensinadas a dependerem de relacionamentos para serem bem-vistas e amadas, sendo parte da construção de sua subjetividade se dedicar às relações.
Essa análise parte dos estudos da acadêmica Valeska Zanello que em seu livro, “A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações”, descreve:
“(...) gênero é performance. As performances não são livres, elas são como scripts (roteiros) que já existem antes de nascermos e são mantidas por práticas sociais”. (p.38)
As construções sociais delimitam os locais de gênero e suas características pertencentes, sempre intercalando lados opostos: o homem, objetivo, a mulher, subjetiva; homem, seco, mulher, sensível; homem, desapegado, mulher, apegada.
Mas será que isso faz sentido? Vivemos em uma sociedade dominada por homens (machistas, brancos, cis, heteronormativos e homoafetivos) e seus discursos, logo, é importante questionar as validações sociais, afinal, é imperativo para tais que as mulheres sempre ocupem uma posição inferior e desprivilegiada. Isso transparece no estudo feito por pesquisadoras da Penn State University de que os estereótipos que rotulam mulheres como mais emotivas reduzem a credibilidade de seus argumentos e afetam como suas ideias são recebidas. Essa pesquisa comprova que, mesmo que homens e mulheres vivam a mesma experiência de entusiasmo ou nervosismo, a interpretação de como eles e elas expressam isso varia por conta do gênero, onde homens têm seus argumentos validados por serem considerados “mais racionais” - acontecendo o oposto às mulheres.
Quando me relaciono com esse “lobo solitário” não tenho a menor ideia sobre o assunto e, por isso, vivo em estado constante de sofrimento e vigilância para não parecer me importar muito. Revendo a situação agora, percebo que eu não era mega apegada a ele. Tinha minhas próprias amigas, meu hobbies e, em dados momentos da rotina, ficávamos bem distantes. Só que eu era a única a sempre tomar iniciativas para ficarmos mais perto um do outro, seja no aconchego da convivência em casa, seja criando oportunidades de passeios e novas experiências. Eu era a que mais sentia falta, que me organizava para dar presentes ou fazer coisas especiais nos aniversários de namoro ou outras datas de celebração. Era quem expressava pequenos carinhos e gestos românticos, como recadinhos debaixo da porta ou fazer aquela comida que ele amava.
Lembro de uma vez eu fazer um pequeno teste e “controlar” minha espontaneidade, passando dias sem ter iniciativas. O tempo passou e ele não sentiu falta, não se mexeu para nada e aquele doeu em mim. Questionei chateada sobre o assunto e ele disse que o fato de eu estar ao lado dele, quase todos os dias, já era suficiente, que realmente não sentia tanta falta e esse era o jeito dele. Claro! O lobo solitário não dependia de ninguém, a carente da história era apenas eu. Pior que muitos livros que lia na época, como “Mulheres são de marte, homens são de Vênus”, colaboraram com o que acontecia. Especialistas diziam que as mulheres estavam sempre dispostas a investir nos relacionamentos, especialmente os românticos, e os homens eram mais desapegados, apreciando mais o companheirismo da relação do que a necessidade de expressar afeição com regularidade.
Mas nesse texto quero apontar o que ninguém quer falar: homens são MUITO carentes. O que impede de enxergarmos isso é a maneira como eles transmitem essa carência, algo que comumente associamos a expressar vulnerabilidade, enorme tristeza, choro, dor e dificuldade para seguir a vida - e que aparecem no comportamento feminino. Se pensarmos no sentido da palavra, carente é aquela pessoa dependente emocionalmente, que sente que algo está em falta e sofre por isso. E os homens não estão distantes desse significado, mesmo que não apresentem a expressão dramática que nos acostumamos a associar as mulheres. Eles, em sua aparente dureza e frieza, são extremamente carentes e vou trazer a algumas provas.
Alguns homens, após o fim da relação, engatam um novo namoro, muitas vezes com uma mulher de aparência física semelhante ou da mesma área/profissão da ex (Neymar e sua namorada fisicamente semelhante a Bruna Marquezine, Leonardo Dicaprio e suas diversas namoradas semelhantes a Gisele Bundchen - e também modelos, Kanye West e a namorada que veste os meus looks da Kim Kardashian), como se quisessem “resgatar” a mulher que perderam com uma substituta próxima ela. Como não ver isso como sinal de carência e sofrimento emocional?
Muitos, além de se dedicarem a uma nova relação, são exibicionistas do seu comportamento de aparente “superação”. Vide o exemplo de Piqué que, após o divórcio com Shakira, aparece nas baladas de Madri com uma mulher semelhante a ex e sempre aos beijos e abraços. Como dizer que ele não está carente da ex-esposa? Podemos seguir nessa linha de raciocínio e ir a caminhos mais drásticos, como a “porn revenge”, quando homens expõem fotos ou vídeos íntimos com sua ex na internet. Escalonando essa raiva, nascida da carência/dependência, há a perseguição, as ameaças, até o atentado à vida da ex-companheira. E quem diz isso não sou eu, são as estatísticas: “Dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que quase 90% das vítimas de feminicídio no Brasil são mulheres mortas por ex-maridos ou ex-companheiros.”
No meu caso, o tal lobo solitário, após a separação, disse que o processo foi muito traumatizante e que evitaria se relacionar, dedicando um tempo significativo ao celibato. Mas o que você acha que realmente aconteceu? Em meses, ele arranja uma nova namorada, se muda para a casa dela - com mero seis meses de namoro virtual - e agora depende dela financeiramente e emocionalmente. E eu? Sem relacionamentos amorosos, vivendo meu melhor momento, independente financeiramente e investindo na minha carreira, meus amigos e meu futuro. Alguns chamariam isso de “ironia da vida” , eu digo que os homens são carentes, MUITO carentes.
FONTE:
ZANELLO, Valeska. A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. Editora Appris, 2022.
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