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O CASAL GIOVANNA EWBANK E BRUNO GAGLIASSO E COMO IMITAR OS HOMENS

Foto do escritor: Karla FontouraKarla Fontoura


Muitas pessoas que são contra o feminismo alegam que esse tipo de movimento quer que as mulheres imitem os homens, masculinizando a “natureza feminina”. As feministas gostam de esclarecer que o foco é a igualdade de direitos, oportunidades e acessos.


Mas, quer saber uma coisa? Vale a pena imitar os homens e viver alguns privilégios que eles têm.


Foi o que pensei ao ver cenas do reality show do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso que, no primeiro episódio, aparece se arrumando para apresentar um evento. Ambos demonstram cansaço e uma vontade enorme de voltar para casa. Eles entram em um espaço e o Bruno anuncia: “Agora vai ser a hora da Gio. Enquanto isso, vou ficar na piscina tomando sol.” Isso significa que sua esposa e uma multifacetada equipe levariam um longo tempo arrumando cabelo, maquiagem e fazendo ajustes em um vestido super chic e justo. Ela se mostrava exausta em todo processo e dava umas olhadelas pela janela para ver o marido curtindo a piscina, se lamentando de que gostaria de estar ali. Com essa cena, até cogitei que ele não iria ao evento. Ledo engano. A diferença é que, em poucos minutos, ele ficou pronto. Nada de maquiagens, hair stylist ou roupas desconfortáveis. Um terninho bonito, barba bem feita e cabelo curto: Bruno estava arrumado.


Com o mínimo esforço, o homem dessa relação, que cumpria a mesma função da mulher, tinha tudo o que era necessário para estar bem apresentável e bonito para sua função. Já a mulher… Pela pressão estética dominante, a Gio, que já possui um corpo padrão, precisou de uma série de especialistas para corrigir mínimas manchas em seu rosto com o melhor corretivo do mercado, ajustar os fios do cabelo com precisão profissional e vestir uma roupa marcada no corpo, cheia de detalhes que precisavam ficar perfeitos. Só assim, ela estaria pronta de verdade para seu papel. Mas, que tal se a Gio pudesse curtir a piscina como seu marido fez e, em poucos minutos, vestir uma roupa confortável, uma maquiagem simples (ou nada dela), cabelo limpo e penteado e pronto? Será que ela também não merece esse mínimo esforço?


Bruno teve tempo de sobra para tomar um sol na piscina e descansar antes do evento, simplesmente porque ao seu corpo não é exigido tamanha pressão estética para que seja considerado bonito e agradável. Um bom banho e seus rompantes olhos azuis são suficientes. Já Gio, mesmo sendo branca, loira, de olhos também claros, corpo magro, cheio de curvas, não consegue ter a estética suficiente para cumprir sua agenda de compromissos com o público. Para ela, são demandadas que não existam rugas no seu belo rosto, nem fios feios nos seus cabelos dourados, ou dobrinhas na sua barriga perfeita. O esforço não feito pelo Bruno é entregue em dobro para o corpo de sua esposa. É observando esse desequilíbrio que escolho avaliar o que homens fazem e tento imitar seus comportamentos.


Faço esse exercício de imitá-los há alguns anos e vou te explicar o que isso significa. Se eu fosse reproduzir o comportamento masculino à risca, provavelmente, correria sérios perigos, seria um pé no saco para algumas amigas ou causaria constrangimentos desnecessários. A imitação não é uma birra infantil de querer ser igual a eles. Ela acontece na observação de seus privilégios e, quando cabe, se apropriar deles por alguns segundos, minutos, dias e, quem sabe, até virar um hábito! Mas, como disse: quando cabe! Infelizmente, pela maneira como o corpo e comportamento feminino são cerceados, certas coisas podem se voltar contra nós rapidamente e esse jogo de imitação pode se tornar uma grande dor de cabeça.


Não quero que isso aconteça com a leitora que está curiosa sobre este assunto, por isso, vou passar alguns exemplos que já tentei. O mais básico foi deixar os pêlos das axilas, pernas, púbis (e onde mais aparecessem) à mostra. Uma das coisas que marca a transição menina-mulher é ter seu corpo invadido por eles, mas a convenção social nos faz voltar ao corpo de criança o tempo todo. O incômodo de raspar, ter a pele machucada ou investir financeiramente em depilação a cera, a laser ou qualquer outro formato já estava me deixando irritada. Por isso, olhar os homens e ver como eles eram tranquilos e felizes com seus pêlos expostos foi o pontapé inicial para lidar com os meus. Com essa mesma motivação, deixei de usar esmalte nas unhas por muito tempo ou passar maquiagem todos os dias.


Confesso que não tomei essa atitude somente por comparação aos homens. Esse ímpeto começou quando li um texto incrível a respeito da diferença entre homens e mulheres quando se arrumam para ir a um encontro. Nele, a autora descreve como sua amiga se empenhou esteticamente para agradar a pessoa que encontraria:


“(...) além de embelezar a íris [com uma lente de contato que deixam os olhos com uma aparência maior e mais atraente], tinha se munido de todo um arsenal de maquiagem importada, uma boa lingerie, unhas recentemente pintadas, um vestido novo e ia ficar montada a noite toda em cima de saltos de nove centímetros, onde ela equilibraria um metro e sessenta e nove de corpo totalmente depilado à pinça e cera quente.”


Mas quem era esse deus grego a qual essa mulher estaria tão empenhada a estar esteticamente perfeita? Apenas um cara qualquer de beleza mediana. Mas, claro, a pressão estética fazia morada na cabeça dessa sujeita que queria reajustar cada parte sua para se sentir segura (em outras palavras, bonita e gostosa) para esse encontro. Intrigada por tamanha dedicação, a autora questiona seus amigos o que eles fazem para se arrumar para um encontro casual. Acho que você imagina a resposta deles, certo? Banho, barba, perfume, desodorante e uma boa cueca. Mais uma vez está ali o privilégio masculino em pauta.


Ao ler esse texto, decidi experimentar essa perspectiva em minhas ficadas casuais e consegui alguns momentos legais, mostrando que, imitando eles, também obteria o que queria, sem precisar me preocupar com tantas coisas. Porém, lembrem-se do que disse anteriormente no texto. Certas imitações possuem um “preço” a ser pago, que podem variar desde de um desconforto social a situações de assédio. Por exemplo, se deixamos de usar sutiã com uma roupa que marca os mamilos (afinal homens também os têm e ninguém fica reparando neles), infelizmente, podemos estar sujeitas a olhadelas desavergonhadas. Com isso, acredito que devemos adaptar as imitações de acordo com as circunstâncias. No meu caso, a questão funcionava porque eu escolhia ficar apenas com homens que não ligavam (ou fingiam muito bem) se a mulher tinha pêlos ou estava maquiada. A maioria deles eram dos círculos políticos de esquerda ou naturebas.


Em outros momentos, acho que as imitações podem ser seguidas à risca, em um espírito de “fake until make”(em tradução rápida: fingir até parecer natural). Vou contar um exemplo meu. Fazia parte de uma religião que tinha como rotina aulas de manhã cedo nos templos. Quem estivesse no local e tivesse experiência, poderia ser convidado a ler um verso da escritura sagrada e fazer um comentário filosófico a respeito. Uma vez, minha amiga foi convidada para isso e estava se sentindo super insegura. Passou dois dias fazendo pesquisas, anotações e estudando o verso que seria lido. No dia, acordou super cedo, se arrumou direitinho e fez uma bela palestra. No dia seguinte, o convidado foi um homem mais velho. Ele leu o verso, fechou o livro e comentou qualquer outra coisa, sem relação direta com o verso. Na hora, olhei fixamente para aquela cena. Não houve qualquer constrangimento da parte dele para fazer aquilo. O homem parecia muito tranquilo e a audiência também não considerou como um “erro”, apesar de sair do padrão do que foi instituído.


No outro dia, eu fui convidada, de última hora, a dar a palestra. Meu primeiro pensamento foi declinar o convite. Não tinha visto qual era o verso, nem tinha estudado, e aquela parte que estava sendo lida era filosoficamente rebuscada. Sabia que era capaz de falar algo, mas a sensação de não estar totalmente pronta me deixou preocupada. Porém, em segundos, minha mente voltou ao dia anterior e a tranquilidade daquele homem branco, cis, hetero em quebrar uma norma. Sem pensar muito, disse em tom de brincadeira séria: “Posso sim. Se vocês acharam tranquilo ontem uma pessoa pular o protocolo, vão ter que aceitar o que eu posso trazer, certo?”. Recebi risadas amarelas em resposta e segui para a palestra. Fiz igualzinho ao homem confiante: terminei de ler o verso, fechei o livro e discorri pensamentos meus sobre o assunto. No final, até achei várias conexões filosóficas com o verso e me saí super bem!


Diante disso, eu tenho essa dica clara para te dar: escolha o que lhe couber e se quiser. Na medida que você se sentir à vontade, a imitação te ajudará muito a chegar a locais desconfortáveis por não pertencerem aos corpos femininos. Para te inspirar, vou trazer rápidos exemplos da mídia sobre iniciativas que mostram a possibilidade das mulheres adotarem o que parece comum apenas aos homens:


  • Seguindo as discussões sobre imposições ao corpo feminino, a companhia aérea SkyUp Airlines trocou a vestimenta desconfortável das suas comissárias de bordo por um terno moderno, calça e tênis. Além disso, cada profissional pode escolher qual penteado utilizar.

  • A cineasta chinesa Chloé Zhao foi premiada com um Oscar em 2021 e compareceu na cerimônia com um visual despojado, de tênis e sem maquiagem.

  • Diretora do Procon-PR, Cláudia Silvano, chamou atenção das redes sociais em 2017 ao aparecer em uma entrevista importante com uma roupa semelhante a um pijama, fora do padrão esperado para mulheres no ambiente profissional.


Esses exemplos que trouxe estão todos ligados a estética porque, como abri esse texto falando da situação da Gio Ewbank de passar horas se arrumando para um evento, morrendo de inveja do tempo livre que seu marido estava vivendo, acho importante a gente pensar como seria se a atriz e apresentadora tomasse a postura das notícias que apresentei. Imagina a Gio, feliz e super profissional, sem maquiagem, sem um penteado elaborado, com uma roupa elegante e confortável, gastando muito menos tempo com tantos detalhes e, quem sabe, aproveitando uma boa piscina ao lado do Bruno? Provavelmente ela estaria mais feliz e descansada para o compromisso que tinha naquela noite.


Esse é mais que um texto reflexivo. É um convite à existência de mulheres que andam cansadas e desconfortáveis, sem saber dizer o motivo para tal. Convido vocês a olharem os homens em sua volta, seus corpos, sua rotina, seu tom de voz diante da vida. Observe-os, filtre alguns aspectos que ainda te deixam inseguras e se ponha na possibilidade de “calçar seus sapatos” ainda que a resposta externa a isso não seja tão positiva. De fato, não há garantias de que mesmo que você siga o passo a passo da figura masculina, a reação seja a mesma caso fosse ele. Tudo bem! Continue experimentando e encontrando formas de tornar sua vivência, em algum nível, passível de viver certos privilégios.

FONTES:







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