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O FASCÍNIO SOMBRIO: Serial Killers Como Ícones da Cultura Pop


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No embalo do novo lançamento da Netflix, a série “Monstros”, em sua terceira temporada trazendo a história de Ed Gein, o debate sobre o fascínio por figuras que encarnam a violência extrema é retomado e a própria série nos mostra que não é um fenômeno novo, mas que ganha contornos cada vez mais visíveis na cultura contemporânea. Os assassinos em série (ou serial killers), antes restritos às páginas policiais ou aos prontuários psiquiátricos, hoje habitam um espaço privilegiado na cultura pop. Filmes, livros, séries de televisão e documentários os transformaram em protagonistas de narrativas que mesclam horror e sedução, medo e admiração, repulsa e curiosidade. O que deveria provocar apenas rejeição e repulsa social torna-se, paradoxalmente, objeto de culto, de análise e até de glamourização.


Segundo Klaylian Monteiro, em estudo psicanalítico sobre a subjetividade dos homicidas em série, essas figuras exercem um poder de sideração, isto é, de paralisar, hipnotizar e encantar tanto suas vítimas diretas quanto o público que consome suas histórias. Esse poder de encantamento, associado à frieza e à inteligência que muitos demonstram, explica por que o assassino serial é elevado a ícone da pós-modernidade, idealizado em narrativas audiovisuais, literárias e midiáticas. Na prática, o que temos é um deslocamento cultural: o criminoso deixa de ser apenas monstro e se torna também protagonista.


O fascínio contemporâneo pelos assassinos em série revela não apenas uma curiosidade mórbida, mas um sintoma cultural de nossa era midiática: o crime real se converte em espetáculo, e o horror, em produto de consumo. Na nova série da Netflix, “Monstro: A História de Ed Gein”, Rhyan Murphy, criador da série, expõem essa inversão de valores, na qual o “monstro” deixa de habitar apenas a ficção e passa a refletir o espelho de uma sociedade que, ao mesmo tempo em que condena a barbárie, a transforma em entretenimento. A famosa cena do chuveiro do filme “Psicose” (Alfred Hitchcock), revisitada pela série, simboliza esse paradoxo: um gesto estético que denuncia a cumplicidade do olhar público diante da violência estetizada.


Essa relação entre crime e espetáculo, contudo, não é um fenômeno recente. Historicamente, a atração por assassinos cruéis já se manifestava em figuras como Jack, o Estripador, na Londres vitoriana, cujos crimes horrendos, nunca solucionados, alimentaram tanto o medo popular quanto uma espécie de fascínio coletivo. A imprensa sensacionalista da época ajudou a construir a imagem de Jack como um ser ao mesmo tempo monstruoso e enigmático, inaugurando um padrão que hoje se reproduz nas narrativas audiovisuais contemporâneas: o criminoso como personagem mítico, cuja brutalidade desperta horror e curiosidade em igual medida.


Desde então, outros nomes, como Ed Gein, Ted Bundy, Jeffrey Dahmer e Charles Manson, John Gayce, consolidaram a figura do assassino em série como símbolo cultural. Cada um deles, à sua maneira, encarnou a dualidade do monstro que assusta e do personagem que seduz, seja pela frieza, pela inteligência ou pela habilidade em manipular a mídia.


Na cultura pop, esse fascínio se converteu em mercadoria. Filmes como “O Silêncio dos Inocentes”, com o personagem Hannibal Lecter, consagrado como um dos maiores vilões da ficção, mostram como o público se deixa atrair por figuras que, embora repugnantes, exibem sofisticação, cultura e inteligência fora do comum. Lecter, que deveria ser apenas um canibal monstruoso, torna-se um personagem admirado por sua elegância e astúcia. O mesmo acontece com séries documentais sobre crimes reais, que hoje se multiplicam em plataformas de streaming: em vez de apenas informar, elas exploram a dimensão estética e narrativa dos crimes, convidando o espectador a imergir nos detalhes mórbidos da violência.


Nesse contexto, a série “Dexter” ocupa lugar privilegiado. O personagem Dexter Morgan, perito forense que leva uma vida dupla como serial killer, sintetiza a ambiguidade do imaginário contemporâneo. Ao adotar um código que o leva a matar apenas outros criminosos, Dexter não é retratado como vilão absoluto, mas como um anti-herói com o qual o público é levado a se identificar. A audiência torce por ele, justifica seus crimes e até os enxerga como uma forma legítima de justiça paralela, especialmente em um contexto social em que as instituições parecem falhar repetidamente. Essa inversão é emblemática: em vez de condenar o assassino, a narrativa nos convida a compreendê-lo, aplaudi-lo e até amá-lo.


Esse processo revela muito sobre a sociedade do espetáculo, conceito formulado por Guy Debord. Vivemos em um tempo em que tudo, inclusive o horror, pode ser transformado em produto cultural. O serial killer, ao ser narrado em tramas bem construídas, deixa de ser apenas sujeito de repulsa e passa a ser objeto de consumo, seja na forma de séries, livros, podcasts ou filmes. O mal, antes afastado e temido, agora é estetizado e comercializado como entretenimento. Isso explica por que tantos consumidores culturais se sentem atraídos por narrativas de true crime, que hoje ocupam posições de destaque no mercado editorial e nas plataformas digitais.


Há, no entanto, um risco evidente nesse movimento. A glamourização da violência pode diluir fronteiras éticas e banalizar o sofrimento real das vítimas. Quando figuras como Bundy ou Dahmer se tornam protagonistas de séries dramatizadas, há sempre a possibilidade de que a empatia do espectador se desloque das vítimas para o criminoso, transformando o algoz em celebridade. Esse risco é ainda mais evidente em narrativas ficcionais como Dexter, em que o assassino ganha status de herói trágico. A mensagem subliminar que se transmite é perigosa: a de que a violência pode ser legítima se praticada com propósito ou racionalidade.


Ao mesmo tempo, não se pode ignorar que essas narrativas também abrem espaço para reflexões críticas. O fascínio por assassinos em série coloca em debate questões fundamentais: até que ponto as instituições falham em punir crimes? O que nos leva a admirar figuras que encarnam o mal? Por que somos atraídos por histórias que nos horrorizam? Essas perguntas dizem tanto sobre os assassinos quanto sobre nós mesmos, espectadores que consumimos avidamente tais conteúdos. A popularidade de Dexter e de tantos outros produtos culturais revela um aspecto perturbador da contemporaneidade: mais do que repudiar o mal, aprendemos a transformá-lo em espetáculo, e talvez seja esse o traço mais inquietante da nossa cultura.


Assim, os assassinos em série como ícones da cultura pop não são apenas um reflexo de nossa curiosidade mórbida. Eles espelham tensões profundas da sociedade contemporânea: a descrença nas instituições, a banalização da violência, o culto ao anti-herói e a transformação do mal em mercadoria cultural. Entre o horror e a admiração, seguimos assistindo, lendo e consumindo suas histórias, como se estivéssemos diante de um espelho que nos devolve uma imagem perturbadora: a de que, no fundo, a sociedade aprendeu não apenas a conviver com a violência, mas a estetizá-la e celebrá-la como parte do seu imaginário coletivo.


REFERÊNCIAS:

 

ALMEIDA, Diego. Observatório do Cinema. Belo Horizonte: O Tempo, 7 out. 2025. Disponível em: https://www.otempo.com.br/opiniao/diego-almeida/2025/10/7/observatoriodocinemaco. Acesso em: 11 out. 2025.

 

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

 

MONTEIRO, Klaylian Marcela Santos Lima. Assassinos seriais e os efeitos da sideração no psiquismo e no laço social. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 77(3-Suppl.), p. 738-748, set. 2014.


IMAGEM: O Tempo

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