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O FENÔMENO INCEL E A CONSTRUÇÃO DA MASCULINIDADE NA ERA DIGITAL: reflexões a partir da série "Adolescência"




No início desta semana, procurando algo bom para assistir durante os intervalos da correria do dia-a-dia, me deparo com várias notícias sobre a minissérie do momento: “Adolescência”, da Netflix. Dividida em 4 episódios (e sem dar muitos spoilers para quem ainda não assistiu), a nova produção do streaming narra a história do garoto Jamie Miller, de 13 anos que é acusado do homicídio de uma colega de escola. Diante do fato, o jovem e sua família precisam enfrentar a investigação da polícia e todas as consequências que o ocorrido traz para as suas vidas.


Em meio a este enredo de investigação policial, a minissérie também aborda as dificuldades emocionais e sociais enfrentadas pelos adolescentes ao longo do seu crescimento e formação, quando retrata as ansiedades, inseguranças e conflitos interpessoais vivido nesse período da vida.


Ao longo da série, um dos personagens traz, para o deslinde da história, o termo “incel” (abreviação de “involuntary celibate”) que, traduzido para o português, significa celibatário involuntário. O conceito de "incel" surge nos anos 90 em fóruns na internet que serviam como espaços de apoio para pessoas com dificuldades em estabelecer relacionamentos afetivos. O termo refere-se, predominantemente, a homens que se consideram incapazes de desenvolver relações amorosas ou sexuais e que, por isso, acabam desenvolvendo ressentimentos contra mulheres e a sociedade.


Inicialmente, esses fóruns eram voltados ao compartilhamento de experiências de solidão, insegurança e frustração. No entanto, com o tempo, parte da comunidade passou a adotar perspectivas misóginas e fatalistas. Esses grupos consolidaram um conjunto de crenças que operam como ideologias, tornando-se espaços onde o ódio e a misoginia são amplamente disseminados. Os incels frequentemente atribuem sua condição a fatores externos, responsabilizando as mulheres, o feminismo, sua própria aparência, a criação recebida, os homens sexualmente ativos, a tecnologia e a cultura contemporânea.


A partir do momento em que um dos personagens da minissérie traz esse termo, em uma das cenas, muitas coisas começam a se encaixar e é possível identificar padrões de isolamento, dificuldades de socialização e uma forte influência da internet na construção da identidade masculina juvenil.


A adolescência é uma fase importante no desenvolvimento humano, pois é nesta fase da vida que temos a formação da identidade e da percepção sobre o próprio valor na sociedade. Ao longo dos capítulos da minissérie é possível perceber as inseguranças e frustrações típicas desse período, especialmente no que se refere à autoimagem, ao desejo de pertencimento e à busca por reconhecimento. Muitos jovens da geração digital encontram na internet um espaço para expressar seus anseios, frustrações, mas também um ambiente que pode reforçar pensamentos negativos e fortalecer discursos de ódio.


Fóruns incel frequentemente promovem uma visão distorcida das relações sociais, incentivando a vitimização masculina e a responsabilização das mulheres pelo fracasso afetivo e sexual dos indivíduos do grupo. A série Adolescência, ao retratar a solidão, o bullying e os desafios da masculinidade contemporânea, pode oferecer uma oportunidade para discutir como esses jovens são vulneráveis a discursos extremistas e misóginos.


Um dos maiores desafios da discussão sobre o fenômeno incel é sua relação com a violência. É importante ressaltar que, embora nem todos os indivíduos que se identificam como incels adotem posturas violentas, alguns casos extremos de ataques misóginos foram associados a essa subcultura.


A questão central não é apenas a solidão masculina, mas como esse isolamento pode ser canalizado de forma negativa quando não há suporte psicológico e social adequado. A ausência de representações saudáveis de masculinidade e de estratégias para lidar com frustrações pode levar jovens a caminhos destrutivos, seja no ódio à própria condição ou na externalização dessa frustração contra terceiros.


O fenômeno incel é um reflexo das dinâmicas contemporâneas de gênero, tecnologia e socialização. Através da série podemos refletir e debater sobre expor as dificuldades emocionais e psicológicas da juventude, abrindo espaço para reflexões sobre como esses jovens são moldados por suas experiências e pelo ambiente digital.


Mais do que apenas condenar o movimento incel, é fundamental entender as causas desse fenômeno e buscar alternativas para que jovens enfrentem suas frustrações de forma saudável. O combate à misoginia e à violência deve vir acompanhado de políticas educacionais e sociais que promovam uma masculinidade mais equilibrada e menos pautada na frustração e no ressentimento.



Alguns termos e conceitos do universo Incel:

1.     Red Pill: Os relacionamentos são vistos como um mercado estruturado em uma hierarquia baseada em padrões de beleza e atratividade. No topo da pirâmide estariam os Chads (homens muito atraentes) e as Stacys (mulheres extremamente atraentes), enquanto na base estariam os homens que não se encaixam dentro desses padrões. No entanto, seus adeptos acreditam que é possível melhorar sua posição nessa hierarquia por meio de esforço e desenvolvimento pessoal.

2.     Black Pill: Trata-se de uma perspectiva ainda mais radical e niilista que a Red Pill, pois seus seguidores acreditam que a posição hierárquica no "mercado sexual" é fixa e imutável. Segundo essa visão, qualquer tentativa de melhorar a aparência ou o status social é inútil, pois aqueles que não nasceram com os atributos desejáveis jamais poderão ascender, gerando um sentimento de resignação e desespero.

3.     Nice Guys ("Caras Legais"): Termo utilizado para descrever homens que adotam um comportamento excessivamente gentil ou prestativo com mulheres, muitas vezes esperando uma retribuição romântica em troca de sua "bondade".

4.     White Knights ("Cavaleiros Brancos"): Homens que se empenham em defender ou proteger mulheres de maneira exagerada, geralmente com a intenção de obter validação ou aprovação delas.

A "Manosfera" – principais grupos:

·        MGTOW (Men Going Their Own Way): Homens que optam por se desvincular das relações tradicionais e convencionais com as mulheres, argumentando que as estruturas sociais e culturais favorecem o feminismo em detrimento dos homens.

·        MRAs (Men’s Rights Activists): Ativistas dos direitos dos homens que reivindicam mudanças legais e sociais para combater o que consideram desigualdades de gênero, como questões de guarda dos filhos e supostas discriminações contra os homens.

·        PUA (Pickup Artists): Indivíduos que estudam e aplicam técnicas de sedução com o objetivo de conquistar parceiras, especialmente em encontros casuais. Eles compartilham métodos sobre como abordar, impressionar e atrair mulheres, utilizando estratégias como linguagem corporal, persuasão e improviso.



REFERÊNCIAS:

 

AVENTURAS NA HISTÓRIA. Adolescência: entenda o significado do termo ‘incel’, citado na série. Disponível em: https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/adolescencia-entenda-o-significado-do-termo-incel-citado-na-serie.phtml. Acesso em: 27 mar. 2025.

 

BBC. O que são os 'incels', a comunidade de homens frustrados que espalha ódio na internet. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43916758. Acesso em: 27 mar. 2025.

 

BBC. O que são os 'incels', homens frustrados sexualmente que viraram ameaça de terrorismo. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-58300599. Acesso em: 27 mar. 2025.

 

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