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Foto do escritorJacqueline Gama

O mito do racismo reverso





Não é de hoje que o discurso do racismo reverso está sendo colacado em pauta e vem tomando proporções, esse discurso prega que opressores se sentem violentados pelo grupo que até então era considerado oprimido. Na atualidade, a pauta do racismo reverso vem ganhando força porque os grupos identitários estão se movimentando em prol de uma equidade racial e o respeito aos direitos humanos o denunciar seus algozes e manifestar-se contra as atitudes de ódio. Sobretudo quando esses atos culminam em violência física e até mesmo assassinato. Para o opressor, isso é visto como revanchismo descabido.


Nessa semana saiu uma coluna na Folha de São Paulo, do antropólogo Antonio Risério, o texto se intitula: “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitárismo”, o título em si já é controverso ao admitir que exista um racismo reverso. Na coluna, Risério tenta argumentar ao trazer casos soltos de ataques à pessoas brancas, à judeus e à asiáticos por parte de alguns pessoas negras, sem contextualizar os fatos em tempo e espaço, se desvirtuando de um rigor técnico cientifico.


O antropólogo foca principalmente em casos dos E.U.A, porém, ao pontuar o Brasil se perde mais ainda em seus argumentos, principalmente ao trazer um exemplo de 1930 sobre a Frente Negra Brasileira, que denominava Zumbi dos Palmares de “Füher do ébano”. Além de ser um exemplo tirado de um contexto sociopolítico totalmente diferente do cenário atual brasileiro e global, o que já põe em dúvidas o argumento do antropólogo, é importante considerar que a Frente Negra é uma entidade, emitindo opiniões como entidade e não como sujeito, ou seja, ela não poderia representar todos os sujeitos negros daquela época, afinal cada pessoa possuí sua identidade individual, ainda que se encaixe em grupos sociais. Também, seria necessário saber quem estava no domínio da entidade naquele momento histórico, a que proposito e a quem ela estava servido na década de 1930.


Esse é um dos muitos exemplos que chocam, por ter inúmeros ocultamentos de informações e por generalizar opiniões ou atitudes. Risério se utiliza de argumentos metonímicos para justificar suas ideias, tomando a parte pelo todo, usando uma situação isolada e generalizando-a. E não para por aí. Ele também pretende suprimir de sua tese os fatores externos ao racismo, a estrutura social, o que não faz o mínimo sentindo se pensarmos que o racismo se pauta na instituição, um dos trechos mais problemáticos é esse:


“O fato é que não dá pra sustentar o clichê de que não existe racismo negro porque a ‘comunidade negra’ não tem poder para exercê-lo institucionalmente. Mesmo que a tese fosse correta, o que está longe de ser o caso, existem já meios para o exercício do racismo negro.”


Nessa citação já é perceptível vários problemas, ele não oferece argumentos para o fato da tese não ser correta e também não diz quais são os meios os quais ele acredita que são favoráveis para o racismo negro. A sentença em si parece um amontoado de palavras e o ponto mais crucial é o fato de o racismo não estar ligado as instituições.


Ora, qual grupo racial pertence as classes mais elevadas desse país? Qual a quantidade de negros e brancos morando em periferias ou em situação de rua? Quantos negros estão encarcerados a comparar com brancos? Quantos negros são mortos pelo Estado por ano? Quantos negros exercem cargos de poder nas instituições publicas, principalmente no Congresso Nacional? Quantos negros são presidentes de empresas? Então, é só olhar um pouco em volta, fazer um exercício de observação, que percebemos que esse é um argumento falho e nem precisa ser pesquisador para isso.


Juntando todos os argumentos, percebemos que Risério errou feio em suas palavras, incitando o ódio a comunidade negra e as pessoas negras, reiterando um papel de opressor quando poderia ter ficado calado ou simplesmente pedir opiniões a seus colegas de profissão, em especial aqueles que pesquisam a temática e que a vivenciam no dia a dia. É bom falar ao antropólogo que dificilmente um branco será expulso da Zara ou um grupo de brancos será revistado em uma batida policial só porque estavam andando juntos na rua. Então sim, as instituições tem poder e o racismo está interligado com as instituições.


E a instituição jornalística a Folha de São Paulo nisso tudo? Há quem queira defender o veículo de comunicação, mas sabemos que o jornal passa por um editorial e poderia ter evitado esse tipo de situação, esse emaranhado de racismo, porém, talvez, de fato, o texto de Risério tenha sido posto ali para gerar a polêmica e dar cliques para a plataforma.


Tem quem diga também que a Folha esteja a partir de agora já montando sua plataforma política para as eleições desse ano e o texto tenha sido uma forma de esboçar seus ideias político, ora, sobre esse argumento discordo até certo ponto porque a Folha é um desses veículos guarda-chuvas que abrigam diversos tipos de opiniões, talvez para manter uma certa imparcialidade jornalística, ali encontramos textos brilhantes, mas também aberrações como essa. Porém, por ter suscitado críticas a esquerda como vanguarda da pauta identitária não podemos descartar essa ideia de montagem de palanque por parte da Folha.


Aí vem a grande pergunta, a Folha de São Paulo deveria se retratar? Mesmo sendo um texto assinado e o autor deva repensar suas ideias e ele sim se retratar, a Folha não deveria sair ilesa dessa situação, afinal, ela foi o veículo que propagou e aceitou o texto do antropólogo. Mas, dando o benefício da dúvida , possa ser que eles não tivessem consciência da proporção que isso poderia tomar e na quantidade de problemas que o texto tinha, ainda assim, isso não exime a plataforma.


Portanto, seria problemático deixar um texto desse teor no jornal e não se retratar com a comunidade negra, afinal, é bom lembrar que o Brasil é um dos países mais racistas do mundo, apesar de concentrar um alta quantidade de negros em seu contingente populacional. Mas, para não dizer que a Folha de São Paulo não fez nada, ao menos depois de todo o ocorrido tem postado charges, como a de Benett (capa) e textos que debatem o mito do racismo reverso, agora é esperar mais cuidado da mídia de massa quanto a temáticas tão delicadas e importantes quanto essa.



Texto de Antonio Risério: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/01/racismo-de-negros-contra-brancos-ganha-forca-com-identitarismo.shtml


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