“A tendência natural do governo representativo, bem como da civilização moderna, é da mediocridade coletiva: e essa tendência aumenta com todas as reduções e extensões do sufrágio, cujo resultado é colocar o poder principal nas mãos de classes sempre mais e mais inferiores ao nível mais alto de instrução da comunidade”. [1]
A teoria do voto plural é conhecida por John Stuart Mill, em Considerações sobre o Governo Representativo. Para o filósofo inglês, a democracia representativa é o governo mais justo porque inclui mais pessoas no jogo da política. Todavia, não basta colocar os jogadores escancarando de vez a porta do sufrágio. Deve ser gradual. Em seguida é necessário manter um certo nível de distinção. Algumas condições são essenciais.
A primeira condição para o voto é que o analfabeto não deve participar da política. Segundo Mill, pessoas que não sabem ler, escrever e fazer operações básicas de aritmética deveriam ser excluídas. Caberia ao Estado adentrar em todos os rincões do país e elevar o nível de educação, até que o cidadão esteja devidamente qualificado. “O ensino universal deve preceder o voto universal”.[2]
A segunda condição é que o indivíduo não deve ser dependente de nenhuma instituição para sobreviver; ou seja, que sua vida financeira não dependesse de filantropia ou mesmo, olhando os tempos atuais, de bolsas ou auxílio permanentes do Estado. Os beneficiados precisariam chegar a um patamar minimante aceitável de condução de si mesmos, com algum nível de liberdade mental e desenvolvimento individual.
A lógica em questão é de que as pessoas que pagam impostos, principalmente os chamados impostos diretos, têm mais interesse em ver seus tributos serem alocados de forma eficiente ao retornar a sociedade. Ou seja, espera-se um senso maior de preocupação e cobrança daqueles que pagam, e muito menos senso de responsabilidade e realidade daqueles que só recebem auxilio para sobreviver. Quem contribui, efetivamente, com o Estado, em tese teria mais direito de cobrar accountability dos representantes, pois até o salário destes são pagos pelo dinheiro público.
Impostos indiretos não identificam uma relação por parte dos eleitores: “o pagante, a menos que seja de educação e reflexão, não identifica uma relação entre seus interesses e uma baixa escala de despesas púbicas com a mesma clareza que lhe ocorre quando é diretamente solicitado a fornecer dinheiro para custeá-las”.[3]É melhor que todos contribuam com os impostos diretos, levando em consideração as classes e grupos sociais distintos, sem exigir tanto daqueles mais pobres, os assalariados. Mas, mesmo estes devem contribuir com algo, “de forma que cada um sentisse que o dinheiro para as despesas orçamentárias que ajudou a aprovar com seu voto era, em parte, dele mesmo e que seu interesse seria mantê-las baixa”. [4]
Uma terceira condição é que o voto, mesmo nas condições acima assinaladas, deveria ter pesos diferentes. A regra não seria uma cabeça, um voto, mas algumas cabeças mais valiosas do que outras. E o critério essencial é o nível intelectual ou instrucional. Como?
Bem, a atividade profissional é um requisito importante, ao menos deve o profissional ter três anos de exercício laborativo. Algumas profissões mostrariam ter maior valor intelectual do que outras, contudo. Um industrial deve ser mais inteligente do que o pequeno comerciante, dono de uma padaria. Quanto maior a exigência cognitiva, mais desenvolvido é o indivíduo. O comerciante teria um voto com menor peso.
Ter nível educacional superior também já é um critério muito alto para ter mais votos. A inteligência aí já foi mais testada sobre os mais variados conhecimentos humanos. Mill reconhece que pessoas que vieram de família mais abastadas têm maiores chances de obter um diploma universitário, mas isso não invalida o que ele propõe, pois é melhor seguir esse critério do que colocar tudo na conta das vantagens pecuniárias. Um exemplo a ser seguido seria não dar mais peso a um voto só porque o eleitor veio de família rica, mas não quis estudar ou seguir alguma profissão.
Distinções e gradações são necessárias para evitar maus maiores à Democracia. Eis aí tese do pensador político. É fundamental também que o Estado coloque isso na cabeça dos cidadãos, pois poderia soar arbitrário, sem razão de obedecer ao regime.
Todo o arcabouço montado aqui é no sentido de que o voto universal seja aberto de forma gradual, mas que chegando lá deveria ter peso distinto, pelo bem da preservação do estado democrático. A educação é uma régua central. E os frutos do sufrágio só podem ser saudáveis adotando o voto plural. O autor tem convicção de que a participação de todos é importante, entretanto mesmo tal participação ampla não pode dispensar algum critério de superioridade, como a inteligência, o autogoverno, a independência. Senão reinará a massificação e a tirania social contra minorias, problema já identificado por Alexis de Tocqueville, em Da Democracia na América. Sobre os governos,
“Se os agentes, ou os que escolhem os agentes, ou aqueles por quem respondem os agentes, ou os observadores, cuja opinião deveria influenciar e refrear todos eles, são simples massas de ignorância, estupidez e preconceito maldoso, todas as operações do governo vão mal ao passo que, na medida em que os homens se elevem acima desse padrão, da mesma foram o governo melhorará de qualidade, até o ponto de excelência, alcançável , mais ainda não alcançada em parte alguma, em que os servidores do governo, sendo pessoal de virtude e intelecto superior, estão cercados pela atmosfera de uma opinião pública virtuosa e esclarecida”[5]
Um regime representativo popular só dará certo, será longevo, com políticos qualificados (moralmente e intelectualmente), reflexo de uma sociedade igualmente qualificada (moral e intelectual). Os governos devem fomentar nos governados o crescimento geral da inteligência, honestidade, bem como a virtude e intelecto individual. Em suma, uma elevação da maturidade de suas faculdades. Premissas caras ao pensamento liberal moderno.
“Deve-se julgar um governo por sua ação sobre os homens e por sua ação sobre as coisas, pelo que faz dos cidadãos e pelo que fazem com os cidadãos; por sua tendência de melhorar ou deteriorar as pessoas em si, e pela boa ou má qualidade do trabalho que presta a eles e por meio delas”. [6]
Caros leitores(as), a democracia deve ser um instrumento para melhoria do caráter humano, o livre desenvolvimento da individualidade, com suas escolhas e opiniões autônomas, e o incentivo à participação e interesse nos negócios públicos, virtudes do espírito republicano. O risco de os governantes não se ajustarem a esse papel ético, é que os próprios cidadãos elejam autocratas e inescrupulosos, contribuindo para o definhamento do próprio regime.
O que vocês acharão sobre o pensamento de Stuart Mill? Comentem aí. Até a próxima.
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