OS ADORADORES DE MOLOQUE: O NRx
- Armando Januário

- 10 de nov.
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Atualizado: 11 de nov.

Quando a Grande Crise Financeira de 2008 eclodiu, novas dinâmicas ganharam destaque no cenário mundial. A quebra do Lehman Brothers ascendeu a maior recessão após o Colapso de 1929. Bancos tradicionais quebraram, levando embora a confiança de milhões. A medida que a Crise se espalhava, a ineficiência do sistema financeiro em lidar com a nova depressão econômica trouxe pânico. No entanto, talvez a maior consequência desse cenário devastador seja o início de um novo ordenamento econômico: o Tecnofeudalismo. Com ele, ocorrem constantes ataques à democracia, através do retorno ao nazifascismo, agora potencializado pelas redes digitais.
Cansadas de acreditar em instituições que não respondem aos seus anseios, a sociedade vem entregando a democracia – conquistada após a superação de imensos desafios – aos piores inimigos do pensamento crítico. Sacrificando a liberdade em troca da ilusão de segurança, os estadunidenses elegeram um presidente especialista em corroer a inteligência. No Texas, livros como 1984 (George Orwell) e O Conto da Aia (Margaret Atwood) foram proibidos: o primeiro aborda um futuro no qual o Ministério da Verdade distorce a realidade; já no segundo, a República de Gileade cerceia os direitos sexuais das mulheres.
Moloque voltou a cena, desta feita, exigindo dor para atingir uma noção de sucesso imprópria para sequer ser nomeada com esse termo. Na verdade, o propósito é garantir um mundo unipolar, no qual as relações multilaterais sejam sequer pensadas, e os espaços para diferenças e diversidades, destroçados pelo fogo do ultra fundamentalismo. Não basta vencer um debate, antes, é preciso esmagar o outro, ignorar as suas dores, extinguir qualquer vestígio da sua vida. A própria menção a esse outro é em si mesma perigosa, haja vista ele não poder existir. Essa anestesia emocional ao lidar com alguém que jamais deveria estar vivo – tampouco sentindo algo – representa o fundamento dos relacionamentos atuais. Chamar quem é sincero de emocionado, fazer chacotas com os sentimentos alheios, ridicularizar o romantismo genuíno, e, em paralelo, hipersexualizar pessoas, são práticas incentivadas constantemente. Tornou-se necessário sacrificar os afetos nas chamas consumidoras – e consumistas – de Moloque, leia-se, em qualquer espaço onde o amor possa florescer.
A admiração pelo autêntico estado de estupro do ideal de igualdade se materializou no Dark Enlightenment (Iluminismo Sombrio). Também conhecido como Movimento Neorreacionário, com a abreviatura NRx, essa ideologia, com surgimento no início dos anos 2000, conhece em Peter Thiel – cofundador do PayPal e Facebook – um dos seus principais nomes. Para Thiel, liberdade e democracia são incompatíveis. Ao lado de outros nomes, como Curtis Yarvin, ele defende a abolição da democracia por um modelo de gestão de países como corporações. Em seu ponto de vista, o atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA) deveria declarar lei marcial, substituir a constituição e implantar a The Trump Organization.
Enquanto o Iluminismo prometeu autonomia, igualdade e liberdade em uma ordem liberal e democrática por quase 300 anos, o Iluminismo Sombrio, na esteira dos algoritmos, propõe servidão, autocracia e truculência, como ferramentas para a construção de um tecnofeudalismo estatal. Ainda em 2008, Yarvin descreveu os humanos enquanto peças que se encaixam em uma engrenagem de hegemonia e subalternidade. Essa filosofia já se encontra em franca operação. Todo o staff tecnológico que assessora o governo dos EUA tem profunda relação com o NRx. A proposta vigente é reinicializar o governo estadunidense, através da força digital: o sistema de imigração vem checando o conteúdo das redes de quem aspira morar, trabalhar e até mesmo estudar naquele país. Sob a alegação de combate ao terrorismo e fortalecimento da segurança nacional, uma massiva coleta de dados pessoais ocorre. Salta aos olhos os interesses da cúpula dos EUA: fundir tecnologia, política estatal e dinheiro para impor a supremacia branca, através de um militarismo capaz de dominar qualquer adversário. E já tem nome.
O fato de Peter Thiel ser um dos fundadores do Facebook e do PayPal seria suficiente para fazer dele um renomado empresário. No entanto, ele foi mais longe ao participar da criação da Palantir Technologies, empresa especialista em softwares de análises de dados. Encontramos na trilogia O Senhor dos Anéis (J. R. R. Tolkien), a palantir como uma bola de cristal com capacidade de mostrar tendências de eventos a ocorrer. Em um total de sete, “as pedras-viventes” careciam de confiança, haja vista o risco de o conteúdo dos acontecimentos ser apenas parcialmente exibido por elas. Perigo maior seria a palantir cair nas mãos do inimigo, algo que na saga realmente ocorre e quase destrói toda a Terra-Média. Chama à atenção o significado de palantir. Em quenya, língua criada por Tolkien, palan indica “longe”, enquanto tir significa “vigiar”. Exatamente neste ponto, a empresa responsável por fornecer dados de civis aos EUA justifica seu nome: ela atua como quem vigia mesmo ao longe, proporcionando informações as quais têm sido utilizadas para deportação. Já houve algo similar: durante a Segunda Guerra Mundial, a International Business Machines (IBM) forneceu a Adolf Hitler dados sobre os judeus. Mais ainda: elaborou todo o processo de identificação, guetização e extermínio em massa. Ao utilizar anúncios com teor supremacista, a Palantir Technologies se aproxima da IBM dos anos 1930, com seu CEO, Thomas J. Watson, ao lado de Hitler, recebendo uma medalha de honra, segundo o Führer, por “serviços prestados ao Reich”.
A Palantir, em conjunto com a SpaceX e a Anduril tem se dedicado a diversos projetos com uso de Inteligência Artificial (IA) e Tecnologia da Informação (TI). Entre eles, destaca-se o Golden Dome, Escudo de Ouro, versão estadunidense do Iron Dome, Escudo de Ferro israelense. Ao mesmo tempo, opera em conjunto com o Departamento de Eficiência Governamental, fornecendo ao Departamento de Segurança Interna instrumentos para analisar dados da Receita Federal. Com isso, pretende identificar contribuintes com documentação pendente, e, portanto, aptos para ser deportados. O nome Anduril é sugestivo: na trilogia de Tolkien, Anduril é a espada reformulada para enfrentar as hostes de Sauron, o inimigo dos povos livres da Terra-Média. Quem seria o inimigo dos EUA? Os povos livres da América Latina? A China? Os BRICS? A lista parece ser longa. Fato é a clara coalizão entre os oligarcas do Vale do Silício e os políticos da extrema-direita global, disseminando uma onda fascista muito mais grave em relação àquela de 1930 e 1940. Trata-se, conforme a jornalista canadense, Naomi Klein de “pessoas que apostam ativamente contra o futuro”.
Ao sacrificar o futuro em prol do presente, o NRx e seus asseclas constituem o Estado Maior dos Adoradores de Moloque. O próximo encaminhamento para destruir qualquer esperança democrática pode vir em 2028. O atual presidente dos EUA, Donald Trump, entre tarifaços, ataques a pessoas trans e outros retrocessos, enfrentou uma série de reveses nas eleições municipais, além de encarar alta reprovação. Fracassou ao tentar chantagear o Brasil, exigindo a soltura do ex-presidente Jair Bolsonaro, em troca da retirada das tarifas comerciais. Em lugar disso, encontrou por aqui uma nação soberana, com uma democracia pulsante, na figura do presidente Lula, hoje, reconhecido como uma das principais lideranças mundiais. Porém, Trump, não deve estagnar. É provável uma nova Invasão do Capitólio, desta feita, com o objetivo de autogolpe. Moloque espera para consumar o estado de tirania vigente – e irreversível – nos EUA. E sair impune pelo mundo, reduzindo cada sonho a cinzas.
IMAGEM: Outlandish



Excelentes observações!