Na coluna de hoje resolvi trazer uma dica um pouco inusitada para meus hábitos de cinéfila.
A áudio série brasileira Paciente 63, transmitida pelo Spotify, não é exatamente uma novidade. Sua primeira temporada foi lançada em meados de 2021, e a segunda chegou à plataforma semana passada.
Eu não sou uma pessoa muito ligada à podcasts, então comecei a ouvir a produção protagonizada por Mel Lisboa e Seu Jorge com poucas expectativas. A indicação veio através de minha prima, que avisou ser “minha cara”. E ela provou mais uma vez que me conhece muito bem.
Afinal, como não gostar de uma história que mistura distopia, conflitos psicológicos e questionamentos sobre comportamento? Tudo isso tomando forma em um ambiente psiquiátrico e de mistério. Certamente não tem erro!
Ainda mais se é adicionado à essa receita um roteiro muito bem amarrado e instigante, como o que Julio Rojas construiu.
Na primeira temporada do áudio seriado, Elisa Amaral (interpretada por Mel) é uma psiquiatra que começa a atender Pedro Roiter (Seu Jorge), paciente ao qual é dado o número 63, e uma hipótese diagnóstica de esquizofrenia.
Pedro foi encontrado nu nas ruas de São Paulo e em seu discurso relata ter vindo do ano de 2062 - momento vigente de uma nova pandemia, desencadeada pelo vírus Pégaso. Esta teria exterminado a sociedade da qual temos conhecimento.
O personagem acredita que veio em uma missão e que precisa convencer a médica a impedir que uma pessoa embarque em um certo voo para Madri, e dissemine a tal doença.
Como qualquer boa psiquiatra, Elisa observa e questiona os sintomas aparentemente delirantes de Pedro, que apresenta uma postura desafiadora, tentando ultrapassar limites do relacionamento médico/paciente.
Até aí nada de muito diferente. Uma situação de aparente transferência, que não é rara em um atendimento de serviço de saúde mental, seja ele público ou privado.
Os conflitos vão crescendo a partir do ponto que as “ideias” do paciente começam a intrigar a médica, e os limites entre o real e o delirante vão diminuindo em sua concepção.
Será que de fato Pedro está sofrendo de sintomas psicóticos ou toda a sua história mirabolante pode fazer sentido? É o que começa a atormentar Elisa, diante de informações de sua vida privada, que são trazidas à tona por ele.
Mas você que é fiel a esta coluna, já deve com certeza estar esperando quando eu irei entrar com meu olhar psicológico/comportamental em algum aspecto da série, né? Pois vamos a ele.
Além de toda essa atmosfera e tópicos bastante relacionados por si só ao que já tenho costume de trazer por aqui, Paciente 63 discute e brinca com uma infinidade de coisas pelas quais passamos – e ainda estamos passando – durante a nossa própria pandemia, levantando à reflexão sobre o poder das nossas escolhas.
Uma reflexão de como as escolhas que fazemos interferem diretamente ou indiretamente, em nossa vida e no futuro que se apresentará.
O interessante (e até mesmo irônico) é que, apesar de sermos muito preocupados com o futuro, e em como conseguir coordenar as variáveis que “ele” nos trará, nossa programação natural não nos deixa muito atentos para o fato de que a cada momento estamos moldando o que virá a seguir, não é mesmo?
Semana passada ao chegar em casa após o trabalho, acabei ficando presa no elevador de serviço do prédio, durante mais de uma hora, com duas pessoas desconhecidas e um cachorro. Qualquer semelhança com uma das cenas de um certo filme dos anos 90 é mera coincidência.
Alguns de vocês podem ter acompanhado e lido um post sobre esse recorte da minha semana em meu Instagram profissional, mas ele teve um enfoque um pouco diferente do que trago no texto de hoje.
Enfim, entre as coisas que refleti no tempo em que estava naquele elevador, uma delas foi que aquilo podia nem ter acontecido comigo ou com aquelas outras pessoas, caso tivéssemos tomado algumas decisões de forma diferente até que chegássemos àquele instante específico.
Por exemplo, se eu tivesse saído de uber minutos antes ou depois do trabalho, ou se não estivesse com tanto calor (inferno de Salvador esses dias) e pressa pra tomar banho - o que me fez pegar o primeiro elevador que chegou na garagem. E por aí vai. Inúmeras possibilidades para cenários diferentes, no encadeamento de escolhas e acontecimentos.
Assim como nessa situação, todos os dias tomamos micro decisões, que poderiam ter sido outras tantas e diferentes micro decisões. Às vezes, elas são bem automáticas, impulsivas, breves, já em outras, podem ter sido bem pensadas e refletidas, repetidas vezes, até que de fato serem escolhidas.
Muitas delas não são nada aleatórias (mesmo que você pense que foram), podendo falar bastante de quem você é, que caminho percorreu até aqui, como tudo isso impactou em você.
Outras terão a ver com como você lida e se relaciona com eventos externos que se apresentam, o que leva ao mesmo ponto - você e como foi se enxergando e estruturando suas estratégias de enfrentamento ao longo da vida.
A questão é que no fim das contas, a lição será sempre a mesma: escolher seguir numa direção e não na outra (por algum motivo seu), vai ajudar a construir o futuro planejado (ou não) de um jeito, e não do outro.
Ainda não ouvi toda a segunda temporada de Paciente 63, mas esta promete explorar com mais profundidade esse ponto das escolhas de cada indivíduo, de acordo com declaração do próprio Julio à revista Galileu:
“O futuro não é um evento independente e isolado de nós neste momento. Estamos preparando o futuro com nossas ações ou nossas apatias. Nós tecemos completamente o que está por vir.”
O que se sabe também sobre essa temporada é que desta vez Elisa e Pedro estarão em papéis invertidos e terão que fazer novas escolhas, seguidas de novas consequências.
E você, o que vem escolhendo e como está lidando com as consequências das opções feitas? Seu dia a dia é composto por elementos e atitudes que de fato podem contribuir para o que almeja ser, para o que quer nesse futuro?
Por Sarah Ferraz
Psicóloga e terapeuta cognitivo comportamental
Instagram: @psisarahferraz
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Muito interessante. 🙂