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Postado X Marcado: tentando encontrar (e amar) o corpo que eu habito




Camila Cabello na praia. Foto: Grosby Group


O meu corpo não existe. Pelo menos, não na minha mente. Toda vez que vou ao espelho e tento amá-lo me dou conta que um dos obstáculos para tal é a imagem que guardo sobre ele. Acredito que você pensa que o estou comparando aos corpos perfeitos das blogueiras de instagram. Mas nem seria isso. Já faço vários exercícios mentais sobre como enxergar essas formas ajustadas por cirurgiões ou aplicativos corretivos. Falta eu praticar um exercício de mim, sobre mim. Do corpo que eu registro nas fotos com o que aparece no reflexo do espelho quando troco de roupa.


Às vezes, eu só quero registrar aquela roupa bacana que estou usando, um cabelo que decidiu acordar bonitão ou simplesmente porque bateu uma vontade de tirar foto. De forma intencional ou não, eu me arrumo, me movimento, até chegar na forma que mais me agrada. Chegou? Foto liberada. Depois, o drama de escolher qual delas eu me sinto mais segura para postar. Ou seja, ali é meu corpo “postado”.


Porém, no dia a dia, numa troca de roupa simples, em um relance no meu corpo real, me sinto bastante esquisita. Não apenas pelo fato de achar defeitos que não queria lembrar que existem (gordura, formas quadradas, desproporções, marcas, manchas, etc) mas, porque bate uma sensação de estranhamento, algo como: “Quem é aquela ali?”. Ou pior: “É assim que as pessoas me vêem?”


E aí entra o outro lado da moeda. O corpo “marcado”, aquele das fotos que são tiradas por outra pessoa pela câmera frontal ou traseira, onde você não teve como se olhar e controlar sua postura - ou nem teve tempo. Só consegue se virar, ensaiar um sorriso e pronto, registro feito. A foto vai para as redes sociais, você é marcada e tem acesso a ela. Que espanto! Uma perna estranha, uma dobrinha desagradável, um cabelo amarrotado, ou coisas que você nem tinha reparado. E aí volto àquela pergunta: “É assim que as pessoas me vêem? Que estranha/feia eu sou…”


Entre esses corpos, o postado (ensaiado) e o marcado (real), está a angústia que eu quero lidar agora. Por que temo sobre como as pessoas vão me olhar? Talvez seja por uma intenção de querer ser desejada, ainda que eu esteja muito pouco interessada nisso nos últimos anos. Parece que sinto certa revolta ao observar que alguém vê em mim algo “feio” ou “indesejável”.


Então, vamos mudar de percepção. Vou me virar para o outro. Quem é aquele que me olha? Se for um amigo/amiga, será que essa pessoa estaria tão preocupada sobre como eu aparento? Afinal, minhas melhores amizades estão conectadas pela afeição e conexão mental e intelectual. Muitas pessoas queridas da minha vida possuem “defeitos” do que seria um corpo ideal e as acho lindas e maravilhosas. Será que elas também me enxergam assim? E se o tal alguém é uma pessoa na rua? Um transeunte temporário e anônimo seria tão importante pra mim?


Então, fica claro que a angústia que sinto vem de um local pouco evidente dos meus lugares de afeição. Essa sensação é basicamente mais um ambiente de opressão que me persegue - e a todas as mulheres - por conta da colonização social do gênero feminino. Nesse caso, o que me prende possui nome e peso. É a tal da pressão estética.


O nosso corpo é um espaço público exposto na prateleira do amor, conceito de Valeska Zanello sobre a condição do gênero feminino na vida social. Somos como objetos dispostos ao olhar da sociedade, especialmente do homem que irá nos escolher:


“(...) as mulheres se subjetivam na “prateleira do amor”. Essa prateleira é profundamente desigual, e marcada por um ideal estético que atualmente é branco, loiro, magro e jovem.” (p.83)[1]


Esse trecho da obra da autora indica como nossa identidade se forma pela maneira como nos encaixamos no lugar dessa prateleira, que já tem como pré-requisito um tipo de corpo e valor estético considerado mais louvável. Como Naomi Wolf aponta no livro Mito da Beleza:


“Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da desgraça e da rejeição social. Nosso tormento não é o fogo do inferno, mas a balança e o espelho.” (p.11)[2]


No século XX, essa pressão estética ganha maior força com a indústria da beleza e suas infinitas opções de produtos, tratamentos, itens e, claro, a rotina. Tempo e energia que toma conta da vida da mulher e interfere inclusive na sua condição econômica.


“O setor de estética tem um público promissor: as mulheres gastam cerca de 30% do salário mensal com estética e beleza.”[3]


Mas quero frisar no que a Zanello aponta sobre a mulher se subjetivar na prateleira do amor, ou seja, eu me enxergo através desse lugar, como a autora complementa em uma citação de Jonh Berger:


“Os homens olham as mulheres. As mulheres se observam sendo olhadas. Isso determina não só as relações entre os homens e as mulheres, mas a relação das mulheres consigo mesmas.” (p. 101)[4]


Isso não lembrou exatamente o início do meu texto? Eu observo a mim mesma a partir do que eu acho que o outro observa em mim. Se olho pro meu corpo e algo me incomoda é porque eu temo que o outro se desagrade com minha aparência estética ruim. Eu me enxergo pelo outrem, ou seja, existe um filtro entre eu e minha visão sobre mim mesma. E como sair disso?


Admito que ainda tenho limitações pra me ver diretamente e por isso, meu refúgio por enquanto tem sido ser o “outro que olha” para enxergar meu próprio corpo. Vou explicar: eu vejo corpos que se assemelham ao meu. São outras pessoas, mas tento me ver nelas e assim consigo ter maior facilidade para enxergar a beleza e singularidade daquela forma que não se encaixa no padrão estético.


No meu caso, falo especialmente da cantora Camila Cabello. Vi fotos dela na praia e enxerguei muito do meu corpo nela. Os seios pequenos, a barriga sobressalente e o quadril largo. Lembrei da minha própria imagem no espelho. Olhar ela me faz bem, me permite ver beleza, sensualidade, graça, encanto, qualidades que me sinto impedida de sentir quando me vejo diretamente…


Assim, estou usando ao meu favor a dinâmica cruel do patriarcado sobre o corpo feminino, que funciona através do olhar do outro. Só que no meu caso, eu vejo meu corpo pelo o da Camila. Tenho esperança que internamente vou encontrar reajustes na minha autoestima que poderão fazer com que um dia eu seja feliz em enxergar o corpo que habito como total, completo e perfeitamente belo, seja postado ou marcado.


[1] Fonte: ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, 2020. [2] WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Editora Record, 2018. [3]Fonte: https://www.onodera.com.br/blog-franquias/mercado-de-beleza-mulheres-gastam-30-do-salario-em-estetica [4] Fonte: ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Editora Appris, 2020.






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