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PÍLULAS FILOSÓFICAS: a questão do conhecimento em Descartes e Hume



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René Descartes e David Hume, gigantes filósofos da modernidade, contribuíram para a construção do pensamento ocidental, seguindo caminhos diferentes na compreensão da realidade humana. Ambos partiram de pressupostos divergentes. Enquanto Descartes parte da razão como formadora do conhecimento sobre as coisas, Hume parte da experiência.


Descartes (1596-1650), francês, matemático e filósofo foi figura importante na Revolução Científica do século XVII, no período da Idade Moderna. Considerado como pai da filosofia moderna e do racionalismo. Na matemática, se notabilizou pela criação da geometria analítica e do sistema de coordenadas.


Sobre a causalidade, ele afirmava que o comportamento humano pode ser explicado pelas leis da mecânica, em comparação a uma máquina. Ao centralizar o homem como ser dotado de razão, para direcionar a sua existência, rompe com o pensamento aristotélico de que o ser humano deve se enquadrar em uma ordem universal.


Descartes tenta buscar uma originalidade acerca do entendimento do homem. Por isso que constrói um método de redução de toda a impressão que existe na realidade. Preocupa-se em buscar uma verdade, anterior a todas as variedades da experiência. Nesse primeiro passo, dúvida dos sentidos, das opiniões, impressões, conceitos, imagens criadas pelo mundo e pela mente humana. Pois, com tantas variedades de fenômenos existentes em todo lugar, não há garantia de que sejam coisas que se possam acreditar. A consequência é de que é necessário duvidar de toda impressão construída ao longo da vida pelos sentidos, para buscar algo constante e seguro, pois impressões nos enganam e não são confiáveis.


O autor busca algo que seja, indubitavelmente, verdadeiro e absoluto. Por isso suspende todo conhecimento adquirido. Esse movimento de afastar-se das falsas impressões, do vulgo, é o passo para a busca da verdade das coisas. “O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo” (Descartes, 2005, p.99).


Mas o que é há de verdadeiro? O eu que pensa. Essa é máxima do pensamento cartesiano: penso, logo existo. Pois, mesmo sendo enganado pelos sentimentos, pelos pensamentos, ideias, enfim, tudo aquilo que aprendemos sobre as coisas, o Eu não pode negar a própria evidência de pensar. Não há como duvidar de que se pensa sobre algo. O ato de duvidar é próprio do pensamento. É pelo pensamento que construímos a dúvida. Assenta-se aí a base original do conhecimento humano, o que dá fundamento a toda a experiência.

[...] Ora, eu sou uma coisa, verdadeira e verdadeiramente existente; mas que coisa? Já o disse: uma coisa que pensa. [...] que é uma coisa que pensa¿ É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também e que sente.[...] (Descartes, 2005, p.103).

 

 

É na razão, no espírito humano, que permanece o elemento verdadeiro, estável, que tudo ancora: causa de todas as multiplicidades e fugacidades da vida. A razão é entendida aqui como substância, cogito, ontológica, portanto, anterior ao próprio mundo.


Corpo e mente, portanto, são duas realidades diferentes, no qual a primeira não é confiável, pois é mutável e circunstancial.  O ponto nevrálgico do conhecimento não está na coisa que é conhecida, mas no sujeito portador de res cogitans (coisa pensante), único capaz de aplicar o método para avaliar perfeitamente. A aposta é na razão humana, nas ideias inatas, que independem da vontade do sujeito e que remetem à noção daquilo que é perfeito.


O pensamento se apresenta como princípio metafísico original, sede de todo conhecimento. E, mais, para o filósofo, há um nexo necessário entre causa e efeito, no qual Deus garante a verdade última das coisas, e a ideia da Providência no homem é efeito dessa causa. É pela razão que se pode chegar nessas evidentes conclusões.


Epistemologicamente falando, o sujeito, o espírito humano, aqui de forma metafísica, a-histórica, possui em si ideias inatas, no qual o objeto, o mundo das coisas, se adapta a ele (sujeito).


David Hume foi um pensador empirista escocês, do século XVIII. Suas ideias se contraporiam ao pensamento metafisico de Descartes. Para Hume, todo entendimento humano advém da experiência, do concreto. Em 1748, publica os Ensaios Filosóficos sobre o Entendimento Humano, título posteriormente mudado para Investigação Acerca do Entendimento Humano.  O livro trata sobre os limites possíveis do conhecimento humano.


Seu objeto de análise é a da percepção, sendo ela dividida em duas esferas: impressões e ideias. A primeira, são percepções originárias aquelas vividas no momento imediato, por isso são mais fortes; exemplo: sensações, paixões e emoções. Já as ideias ou pensamentos são imagens enfraquecidas, reproduzidas pela memória, em outro instante, a partir das impressões passadas. Por isso, são cópias das impressões na memória ou na imaginação. Só podemos saber das impressões que temos do objeto: o conhecimento é a representação que fazemos das coisas. O limite do conhecimento é ter impressões (dos fenômenos) e ideias (dessas impressões).


Jamais as ideias alcançarão um grau de conhecimento comparado às impressões originais da experiência. É o chamado princípio da cópia.

Quando refletimos sobre nossas sensações e impressões passadas, nosso pensamento é um reflexo fiel e cópia desses objetos com vivacidade, porém as cores que emprega são fracas e embaçadas em comparação com aquelas que revestiam nossas percepções originais (Hume, 1996, p. 35).  

 

Todo conhecimento humano só pode advir da experiência, não há nada a priori. A experiência é um princípio e regra universal do pensador empirista. Não há ideias inatas. Não há uma razão a-histórica que possui todo conhecimento em si. Tudo só pode advir a posteriori. Portanto, é o mundo, o objeto, que preenche o sujeito. Nada alcançamos sem que estejamos em contato com a experiência. A razão humana não ultrapassa o não conhecido.


O nexo de causa e efeito é dado na experiência, pelos sentidos. Não se pode supor a origem de algo somente por uma ideia, a priori, de puro raciocínio. É a investigação a posteriori que indicará a provável causa de determinada consequência. E é por isso que Deus é algo completamente indemonstrável na epistemologia humeana. 


Toda a metafisica é retirada do entendimento humano. Pois, todo discurso além do físico é uma ideia de algo fora da experiência: é um discurso arbitrário, especulativo.


Hume tem a preocupação de analisar a regularidade da experiência humana. A causalidade é a conjunção constante de causa e efeito. Constante porque é regular. Aqui infere-se que o hábito é uma espécie de segurança – maleável – que dará as explicações dos eventos da vida. Essa segurança é a estabilidade para o passo seguinte.

 

O costume é, pois, o grande guia da vida humana. É o único princípio que torna útil nossa experiência e nos faz esperar, no futuro, uma  série de eventos semelhantes aqueles que apareceram no passado. Sem a influência do costume, ignoraríamos completamente toda questão de fato que está fora do alcance dos dados imediatos da memória e dos sentidos (Hume, 1999. p.63).

 

Dessa maneira, temos a noção de uma causalidade que necessariamente ocorrerá. Quando enunciamos: “O sol nascerá amanhã”, temos a crença, uma convicção íntima, de que tal situação ocorrerá em conformidade com o hábito (costume) que temos. Porém, essa noção é apenas uma crença, isto é, uma convicção íntima de que ocorrerá determinada consequência dada uma circunstância.


Ótima reflexão!

 

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Referências

 

DESCARTES, Renè. Meditações Metafísicas. Tradução: Maria Ermantina. São Paulo: MartinsFontes.2005

HUME, David. Investigação a Cerca do Entendimento Humano. Tradução Anoar Aiex. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.

FERREIRA, Fabio Lustosa. História da filosofia moderna. 2. ed. Curitiba, PR: Intersaberes, 2023.

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