RELIGIÃO COMO ARTE EM SALVADOR
- Everton Nery
- há 7 dias
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Este texto parte da ideia de que a religiosidade não pode ser reduzida a uma dimensão puramente dogmática ou institucional: ela se manifesta também como expressão estética, como forma de criação e sensibilidade coletiva. Ao trazer esse referencial para Salvador, é possível observar como a cidade é atravessada por múltiplas linguagens artísticas que se confundem com práticas religiosas, produzindo um imaginário rico e singular.
Em Salvador, a religião se apresenta de forma estética nas ruas, nos ritos e na vida cotidiana. As procissões católicas, com suas imagens adornadas e o uso das cores litúrgicas, funcionam como verdadeiros espetáculos públicos. Da mesma forma, as festas de largo, como a de Santa Bárbara, a Lavagem do Bonfim e a Festa de Iemanjá, mesclam canto, dança, culinária, poesia e performance ritual. Nessas manifestações, o sagrado e o artístico não se separam: a religião é vivida como obra de arte compartilhada pela comunidade
A tradição religiosa de Salvador se constitui na confluência de matrizes africanas, indígenas e europeias. Esse encontro gerou formas de expressão que podem ser lidas como “arte religiosa sincrética”: as indumentárias do candomblé, as esculturas e pinturas de santos católicos reinterpretados à luz dos orixás, os cânticos que misturam línguas africanas e português. A criatividade cultural, nesse contexto, é também uma forma de resistência, pois transformou opressões históricas em beleza simbólica e identidade coletiva.
O espaço urbano de Salvador é marcado por essa dimensão estética da fé. Igrejas barrocas, terreiros de candomblé, praças e praias se tornam cenários performativos de uma religiosidade que é ao mesmo tempo arte pública. O “Terreiro de Jesus” é uma expressão mística, mágica e misteriosa dessa performance. O barroco baiano, por exemplo, com sua exuberância imagética, não apenas ensina a doutrina, mas provoca emoção estética. Já os terreiros, com suas cores, cantos e danças, constituem-se como lugares de criação artística permanente, onde o rito é vivido como espetáculo de beleza e espiritualidade.
A religião em Salvador, vivida como arte, produz uma “teologia popular”, ou seja, uma forma de pensar o sagrado através da sensibilidade estética. Os atabaques, as danças circulares, as comidas de santo e as imagens barrocas não são apenas ornamentos, mas meios de expressão de um pensamento religioso estético e filosófico. Essa dimensão evidencia que a fé, mais do que doutrina, é invenção: uma poética do existir que se traduz em cores, sons e gestos
Ler a religião como arte em Salvador é reconhecer que o sagrado se expressa em linguagens criativas e plurais, dissolvendo fronteiras entre fé, estética e cultura popular. Essa religiosidade estética mostra que a cidade vive a fé não apenas como crença, mas como espetáculo sensível, como invenção coletiva e como resistência histórica.
IMAGEM: Portal Patativa do Assaré
A sensibilidade de reconhecer as manifestações religiosas em Salvador enquanto dimensão estética e social é fundamental para compreende-las enquanto patrimônio cultural de uma sociedade tão múltipla. Na dimensão da estética, envolve o sentir, o criar e o compartilhar. O espaço vira palco na qual as exposições não são meros espetáculos, mas a manifestação externa, material e imaterial da poética existência.
Em Salvador, o sagrado e a arte se entrelaçam numa dança de ritmo e compasso. A espiritualidade se revela como espetáculo sensível, herança viva que pulsa no coração de quem a sente. Aqui, a fé é arte em movimento, é beleza ancestral.
No texto nos revela a profunda ligação entre fé e expressão cultural presente na cidade. Em Salvador, a religiosidade se manifesta não apenas nos templos ou rituais, mas também nas cores, nas músicas, nas danças e nas esculturas que enfeitam o cotidiano. O sincretismo entre o catolicismo e as religiões de matriz africana transforma a fé em uma verdadeira obra de arte viva, que pulsa nas festas populares, nas vestimentas dos fiéis e nas celebrações como o Bonfim e o Candomblé. Assim, a religião em Salvador ultrapassa o campo espiritual e se torna um símbolo estético e identitário do povo baiano.
A religiosidade em Salvador é uma das mais belas diversidades culturais que percebemos na cidade. A fé parece palpável quando nos deparamos com os cultos religiosos e suas manifestações. São expressões que nos atravessam, um encanto para quem segue, quem observa e acompanha, mesmo sem nenhuma devoção, pois parece resgatar essa sensibilidade sagrada ao que ferve no que foge ao que vemos e vai diretamente para o que sentimos.
Excelente texto! Concordo plenamente com o texto, e até mesmo as manifestações da comunidade cristã evangélica expressa linguagens criativas e plurais, principalmente na musicalidade, cânticos e louvores que verdadeiramente ultrapassam as fronteiras da fé!