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SOU EU NEGRA LINDA

Foto do escritor: Áurea AñjaneyaÁurea Añjaneya





“Sou Eu Negra Linda”¹


 

Bom dia, Boa Tarde, Boa Noite, Soteroleitores.

 

Verão em Salvador. Férias escolares. Tou passando por Salvador. Meu Deus, que cidade linda! Quantas memórias afetivas. Que Pretas maravilhosas!!

 

“Um baiano é uma boa pedida.Dois baianos uma coisa divertida.Três baianos uma conversa comprida.Quatro baianos um comício na avenida.”²

 

Minha mãe me chamou para “bater perna” (andar pela Avenida Sete olhando as lojas, camelôs e demais produtos que aparecerem em nossa frente e despertarem nosso interesse). “Não, mãe. Hoje tou focada. Vou comprar meu lanche no Health Valley (já falei que sou lacto-vegetariana?) na Rua Direita da Piedade, passar na “Daimarú” (também sinônimo para lojas que vendem contas e material de artesanato) na Carlos Gomes, e seguir para o Cine Glauber Rocha para assistir “Auto da Compadecida 2” e “Ainda Estou Aqui” (por sinal, todos maravilhosos! Cinema abarrotado por conta de “Ainda...”. Enquanto o dedo estava indo selecionar um assento pelo autoatendimento, ele já estava sendo vendido. “Deve” ter sido porque o exterior disse “Ah! Ali está a atriz do Globo de Ouro”! É colonização que chama, né?! cs*).

 

Bom, como vocês devem imaginar, o “bater-perna” aconteceu (risos). O meu “foco” tropeçou nos camelôs e peças chamativas que cruzavam meu caminho. Minha maior recaída foi entre a Rua da Forca e a Travessa do Mucambinho. Zurela. Uma Loja de Preta. Que lindo. Que alívio. Entrei pelas roupas, mas fui ficando de cada Preta Linda que entrava... Não pretas das camisetas que vi uma rua atrás – secas, “novinhas”, traços “finos” europeus, cinturas incapazes de conter os órgãos internos, “modelos de passarela” e com expressões blasés.

 

Não. Para mim surgiam Pretas de verdade, com sua ancestralidade e anos de luta na pele e nos cabelos. Pretas de ombros robustos e lustrosos. Ombros que sabem gingar como rainhas que são. Ombros de quem sempre teve, e tem, que carregar o peso do mundo, e de cuidar de seus filhos (que são todos os filhos do mundo). Mães. Retintas, de sabedoria radiante nos olhos, e acolhimento jorrando dos lábios e abertos braços fortes. Sorrisos certeiros. Joviais, para além de jovens. Peles dos retintos mais lindos que se podem ter. Vê-las me fazia ser mais Preta. Me sentir mais Preta. Fortaleciam meu orgulho.

 

Nasci no Iperba, portanto broteira, e em Salvador mesmo morei de 1996 a 2012, quando fui para João Pessoa/PB, e, acreditem, apenas lá “me descobri Preta”. Quando num ponto de ônibus por mim passou um preto mas retinto eu não conseguia parar de olhar para ele e me questionei o motivo. E constatei que além dele, eu era a única preta por ali. E nos demais locais que ia pela cidade. Entendi porque desde que cheguei para morar na capital paraibana recebia estranhos olhares. Eu era realmente “estranha” ali. De JP mudei para Recife, e na Pernambucana capital senti por 5 anos bater forte, forte, o machismo e a xenofobia. Finalmente voltei pra Bahia, mais perto, mas ainda longe (oito horas da minha Soterópolis).

 

Meus olhos, minha pele e minha alma não mais passam incólumes ao racismo e ao machismo que sofre este corpo que recebi nesta encarnação, inclusive nos meios “espiritualistas”. Antes só conseguia enxergar o sofrimento do outro.  Foram caminhos necessários para hoje eu bater forte meus pés descalços na minha amada terra, Bhumi, com resistência da guerreira que sou, e dizer, e nunca me esquecer: sou Mulher, sou Preta! Pro inferno quem acha que é mimimi (termo ridículo, de total falta de respeito e de humanismo). Estou voltando “a rir o meu riso largo e aberto, que um dia me fez conquistar uma coleção de amigos de verdade³. Não mais aceito (não aceite) a censura ao meu (nosso) cabelo, à minha (nossa) alegria barulhenta e aglutinante, e à minha (nossa) voz potente, que resgatam silêncios e engasgos ancestrais. Não mais permitir ser escanteada ou estranha. Me apoderei (nos apoderemos) de meu (nosso) direito de existir. Preta Linda! Rainha!

 

“Quando me ver abra os braços

Me dê um sorriso”¹

 

Pisar na minha terrinha grita aos meus olhos: Sou Eu Negra Linda!!! E precisei vir neste texto dizer a você, Preta Linda, Preto Lindo: que sua existência é linda e importa. Que nossa exuberante existência embeleza o mundo. Que nossa ancestralidade pulsa forte em nosso sangue, em nossa melanina. Nossas raízes sobrevivem e resistem. Dão força e nos sustentam neste mundo tão sofrido para os retintos, para os pobres (historicamente pretos), para todas as identidades de gênero que difiram do famigerado “macho-hetero-top”. Não precisamos que defiram nosso grande valor, o que não fazem por covardia, para sabermos que somos jóias preciosas. Somos nós, Pérolas Negras.

 


“É o mundo negro que viemos mostrar pra você” 

 

Gratidão, Salvador, pelo brilho de sua negritude.

 

Axé e Até.



__________________________



Notas:


* cs: contém sarcasmo.

 

¹ “Negro Lindo”, de Parangolé e Thiaguinho.

² “Baianada”, de Gordurinha.

³ “Vencer a Dor”, de Guilherme Arantes.

⁴ “Que Bloco É Esse”, de Ilê Aiyê.

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8 comentarios

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Samuelson
29 ene
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Seu texto está lindo, meu amor! Celebre sua negritude, sua feminilidade, sua inteligência, sua força... até que os incomodados não se incomodem mais, engulam seus incômodos, ou se retirem, calados. Um pouco de namastê, outro tanto de VSF. Te amo.

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Parama Purusha das
20 ene
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Oi Adisvari! Que belo te reencontrar por aqui. Por favor, continue com o seu sorriso largo, sua voz potente e seu coração cheio de amor fraterno. Essas e outras tantas qualidades é que sempre te fizeram linda, de corpo e alma. Sdds.

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Áurea Añjaneya
25 ene
Contestando a

Saudades, Prabhu! Muito grata pelas carinhosas e emocionantes palavras. ❤️

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Invitado
14 ene
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Texto lindo! Parabéns!

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Invitado
14 ene
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Lindo texto!!! arrasô

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Sarah Queiroz
14 ene
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Lindo texto!!! Parabéns por ser uma Preta Linda!

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