TODOS BRINCAM DE BONECA: o que nos dizem os bebês reborn e as bonecas infláveis sobre o gênero, o consumo e o patriarcado
- Everton Nery

- 21 de mai.
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No imaginário popular, brinquedos são mais do que objetos de diversão: são dispositivos simbólicos que refletem e reforçam papéis sociais. Quando se trata de bonecas, essa simetria entre gênero e objeto se mostra de forma contundente. As bonecas reborn (réplicas hiper-realistas de bebês) costumam ser associadas ao universo feminino. Já as bonecas infláveis, geralmente hipersexualizadas, são majoritariamente destinadas ao público masculino. Ambas as práticas envolvem um certo tipo de projeção, mas são recebidas de forma profundamente desigual na sociedade. Enquanto mulheres que se envolvem com bonecas reborn são frequentemente alvo de escárnio ou patologização, homens com bonecas infláveis são, na melhor das hipóteses, ignorados e, em muitos casos, até naturalizados no discurso social como simples consumidores de produtos eróticos.
Esse duplo padrão revela, com clareza, o quanto o patriarcado opera por meio de estratégias de deslegitimação do feminino. O caso das mulheres que cuidam de bonecas reborn ilustra essa lógica. Nas redes sociais, frequentemente surgem vídeos e postagens ironizando ou acusando essas mulheres de "loucas" por tratarem bonecas como filhos. Circulam até mesmo fake news sobre o uso dessas bonecas no Sistema Único de Saúde (SUS), como se fossem pacientes reais ou substitutos para tratamentos psicológicos, o que não possui qualquer fundamento empírico ou institucional. Essa narrativa é reforçada por um imaginário social que ainda associa o cuidado, o afeto e a maternagem à irracionalidade quando partem das mulheres, principalmente se desvinculados da estrutura familiar tradicional.
Já a boneca inflável, por mais perturbadora que possa ser em seus contornos de objetificação do corpo feminino, é muitas vezes tratada como piada ou até como uma solução prática para necessidades sexuais. Não se discute se os homens que a utilizam estão alienados da realidade, se substituem relações humanas ou se projetam desejos sobre um objeto. O silêncio em torno dessa prática evidencia o quanto a masculinidade é protegida de julgamentos morais e psicológicos, mesmo quando expressa formas evidentes de desumanização ou isolamento.
Essa assimetria de percepção aponta para uma dimensão ainda mais profunda: o modo como o mercado estrutura narrativas em torno dos gêneros e seus “brinquedos”. O bebê reborn é frequentemente vendido com roupinhas personalizadas, certidão de nascimento e até carrinhos de bebê, em uma mise-en-scène que ativa o desejo de maternagem, cuidado e empatia. A propaganda vende uma simulação de vínculo. Já a boneca inflável é vendida com a promessa de satisfação e domínio. São produtos organizados sob lógicas distintas: para as mulheres, o apelo é afetivo; para os homens, é erótico. Contudo, ambos são impulsionados por estratégias sofisticadas de marketing que constroem desejos e comportamentos com base em estereótipos de gênero, reforçando uma cisão artificial entre “brincar de cuidar” e “brincar de usar”.
O problema não está no uso das bonecas em si, mas no modo como a sociedade lê esses usos a partir de um filtro patriarcal. O escândalo está menos nas bonecas e mais em quem as utiliza e de que forma se desvia do que o sistema espera. Quando uma mulher simula a maternidade com um objeto, ela ameaça a ordem do controle reprodutivo. Quando um homem simula uma relação com um objeto sexualizado, ele apenas reafirma uma ordem já naturalizada de dominação e desejo.
Portanto, é urgente deslocar o foco da crítica das usuárias das reborn para os dispositivos ideológicos que fazem dessas práticas alvo de chacota. Não se trata de patologizar o afeto, mas de desmascarar a hipocrisia social que o ridiculariza apenas quando praticado por mulheres. Nesse sentido, todos brincam de boneca, mas nem todos são julgados por isso. E isso diz muito mais sobre a sociedade do que sobre quem brinca.
IMAGEM: SRzd



O texto mostra como a sociedade trata de forma diferente homens e mulheres que usam bonecas. Mulheres que cuidam de bonecas reborn são vistas como "loucas", enquanto homens com bonecas infláveis são tratados como normais. Isso revela um machismo que desvaloriza o carinho das mulheres e aceita o desejo dos homens. A propaganda também reforça esses papéis: afeto para mulheres, prazer para homens. O problema não são as bonecas, mas o preconceito com quem usa.
A crítica central está na desigualdade com que essas práticas são vistas, revelando como o patriarcado ainda molda os julgamentos sociais.
Texto bacana! Retrata o famoso padrão que a sociedade impôs, homens brincam de bonecos (super-heróis) e mulheres brincam de boneca e comidinha. E se esses papéis invertessem? Seriam ditos que eles irão se relacionar de pessoas do mesmo sexo. É visto claramente no texto que no caso da boneca reborn se a mulher comprar, claramente irá brincar, mas se o homem comprar para ele brincar, será julgado!
O texto traz uma reflexão original sobre como objetos simples, como bonecas, revelam desigualdades profundas de gênero. Ao mostrar o contraste entre a forma como a sociedade julga mulheres que cuidam de bonecas reborn e ignora homens que usam bonecas infláveis, o autor denuncia a lógica patriarcal que regula afetos, desejos e até o direito de “brincar”.
O texto me faz lembrar alguns comentários que vi nas redes socias, sobre os homens poderem ter suas brincadeiras de infância como jogar bola, vídeo game e colecionar carrinhos ou bonecos de ação. A maioria deles não são julgados por terem seus hobbies, principalmente se for jogar bola, já que é um esporte. Mas, as mulheres que possuem brinquedos como bonecas, casinhas e bichinhos, são chamadas de infantis, de loucas, que precisam crescer. E isso não é um percentual pequeno dessas mulheres. O texto traz um olhar para as bonecas sexuais e os bonecos e bonecas reborn, uma voltada para o público masculino que procura o prazer carnal e outra, para o público feminino que projeta o desejo maternal. Um…