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TROPA DE ELITE 2, UM FILME QUE O BRASIL ESQUECEU


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Recentemente, uma megaoperação da polícia do Rio de Janeiro chamou atenção do país pela mortandade resultante da ação. Uns comemoraram, pois “vagabundo tem que morrer mesmo” e outros desaprovaram, afinal, favela não é palco de guerra. No entanto, uma pesquisa revelou que a grande maioria dos habitantes dessas áreas ocupadas pelo crime organizado apoiou o massacre. Um amplo debate vem tomando não só as redes sociais, mas o ambiente jornalístico. Tudo isso é sabido por boa parte das pessoas.

 

O que gostaria de abordar agora é o quanto apoiar situações desse nível é conveniente de acordo com as circunstâncias, dependendo do que se fala, de quem fala, pra onde vai a fala... Tudo é estrategicamente pensado pendendo pra um lado ideológico da força. Como assim? Vou tentar abordar dois sucessos do cinema nacional: Tropa de Elite 1 e 2. Quando foram lançados, o país era outro, a economia nadava de braçada, o presidente era o mesmo de hoje, porém com índices muito maiores de aprovação. Não havia polarização, redes sociais dinâmicas, todo mundo comemorando a vinda da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Éramos um país com certa unidade nacional. Mas o tema da segurança pública estava em evidência, ainda mais com o crescimento do PCC.

 

Bem, o primeiro Tropa de Elite abordava o cotidiano do Batalhão de Operações Especiais da polícia carioca (BOPE) que se preparava para uma série de ações nas favelas, antes da chegada do Papa (a história na película se passa em 1997). Um personagem icônico - capitão Nascimento - era retratado como um policial durão, um exemplo de como se portar. Durante uma abordagem que resultou em duas mortes, ele fala a um viciado que a culpa pelos homicídios era dele, dos dependentes que consumiam aquela droga e financiava o tráfico. Lembro de relatos que confirmavam aplausos e gritos de concordância nos cinemas por esta afirmação. De fato, havia (e há) muitas pessoas que corroboram com a visão de que o tráfico existe porque existe o usuário.

 

O presidente Lula falou, algumas semanas atrás, que “o traficante é vítima do usuário”. Uma fala pavorosa, embora, no meu entendimento, ele estivesse se referindo às investidas do governo americano ao combate ao narcotráfico na Venezuela. Lula, ao que tudo indica, tentava argumentar que primeiramente, os EUA deviam cuidar de seus viciados, e não tentar atingir a fonte. Anos após acatarem a narrativa do capitão Nascimento, muitos desses ficaram chocados com a frase de Lula. Sei que não é a mesma coisa - falar que o consumidor tem culpa não reverbera no vitimismo de quem vende, mas observe que após o famoso veredito do capitão lá no primeiro Tropa, parece não haver sustentabilidade na opinião sobre a responsabilidade do usuário no crescimento das organizações criminosas. Pelo menos, isso não é tão mencionado. Miram exclusivamente nos membros das facções. Talvez se capitão Nascimento colocasse essa argumentação hoje em dia, provocasse uma grande indiferença. Daí, em parte, a fala de Lula não fazer mais tanto sentido. O contexto atual não é mais o mesmo. Atualmente, o portador da mensagem parece mais importante.

 

No Tropa de Elite 2, o inimigo agora é outro. O promovido coronel Nascimento descobre que a corrupção dentro das forças policiais é tão nociva quanto o tráfico. A formação de milícias envolve conivência governamental, de partes da opinião pública, de parlamentares, e o mesmo domínio dos morros, antes praticados pelos traficantes. O modus operandi se configurou o mesmo - inclusive com eliminação de membros da própria polícia. Ao mesmo passo que o combate ao crime organizado - como vimos na megaoperação fluminense - é debatido, não há a mesma cobrança quanto à expansão das milícias. Apesar de um miliciano ter sido responsável pela execução da vereadora Marielle Franco, em 2018, pouco se avançou em segmentos da população o mesmo repúdio que o tráfico causa. Como no filme, as milícias também oprimem os locais onde dominam, cobrando por serviços clandestinos. Ao que parece, a recepção do Tropa de Elite 2 foi mais fria que o 1. Será que existe uma complacência social com as milícias? Não esqueçamos que parcelas da população pediu intervenção militar. Levando em conta que as milícias são constituídas por polícias e ex-polícias agindo como um braço alternativo ao Estado, pode-se sugerir que o capitão nascimento é muito mais reverenciado que o capitão.

 

Não há ainda conclusão sobre os resultados práticos dessa incursão ocorrida no Rio que resultou em mais de 120 mortes. No entanto, o capitão Nascimento comandando tamanha matança repercutiria bem na telona. Já o capitão Nascimento realizando o mesmo com milícias... bem, não sei se a recepção seria tão acalorada. Talvez, a percepção sobre os males da milícia não sejam tão sentidos, ou o conhecimento sobre essa forma de crime ainda não seja tão difundida. Segundo dados da Universidade Federal Fluminense, eles comandam 57% do território da Cidade Maravilhosa. Não sei mensurar o quanto os cariocas diferenciam traficantes e milicianos. Também não há notícias de que haverá incursões contra as milícias pelo atual governo Cláudio Castro. O que noto é o grande esquecimento  - e apagamento - do que é exibido em Tropa de Elite 2.


FONTE:


 

IMAGEM: Prime Vídeo

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