TRUMP E O CAOS
- Everton Nery
- 16 de abr.
- 4 min de leitura

A ideia de que Trump quer provocar o caos com seu tarifaço nos permite interpretar essa política não como uma simples medida econômica, mas como um ato estratégico de desorganização deliberada — uma tática de poder que opera dentro da lógica do caos como arma política. Vamos construir essa análise com base na teoria do caos, mas também dialogando com a filosofia política, especialmente com pensadores da complexidade, do poder e da disrupção.
Ao contrário do que muito se diz, o tarifaço pode ser lido como parte de uma estratégia de governo pelo caos. Em vez de buscar previsibilidade, estabilidade e consenso, Trump opta por criar zonas de instabilidade deliberada. Nesse sentido: as tarifas são gatilhos, não apenas instrumentos econômicos; ele entende que as tarifas gerariam reações globais — desconfiança nos mercados, conflitos diplomáticos, rupturas em alianças; o objetivo não é resolver, mas tensionar, criando ruído e subvertendo ordem (o Cosmos). Desta forma como em certos jogos de poder geopolítico, o caos se torna produtivo, pois obriga o mundo a dançar conforme a imprevisibilidade do jogador que detém a disrupção como trunfo.
Inspirado na lógica do “caos criativo” (utilizada por estratégias militares e econômicas modernas), Trump provoca o colapso de estruturas antigas (como acordos comerciais multilaterais ou cadeias de suprimento globalizadas) para abrir espaço a novas configurações de poder. É como se ele dissesse: "Vamos quebrar o tabuleiro. Quem conseguir montar outro primeiro, governa o jogo."
Trump mobiliza o caos como estética de liderança: ele performa o descontrole, a quebra de protocolos, o escândalo como ferramenta de comunicação. O tarifaço se encaixa nesse estilo: provoca reações emocionais (tanto em aliados quanto em adversários); rompe com os padrões institucionais (como os da OMC); envia um sinal claro: "não há regras fixas". Essas medidas, ou essa glorificação do imprevisível gera admiração entre seus seguidores, que veem nisso não um erro, mas ousadia, autenticidade e poder.
Na teoria do caos, certos elementos — chamados de atratores estranhos — provocam oscilações sistêmicas. Trump se comporta como esse tipo de ator: não é um acidente do sistema, mas um ponto de inflexão que desorganiza para reorganizar. Entendemos que o tarifaço, assim, serve como: intervenção disruptiva nas lógicas neoliberais globalizadas; ferramenta para colocar a economia mundial em estado de incerteza permanente; instrumento para afirmar soberania por meio da desordem controlada.
O que temos aqui? Trump não teme o caos — ele invoca o caos. Ele compreende que, em sistemas instáveis, quem domina a incerteza domina o jogo. Neste ponto passamos à análise articulando a teoria da máquina de guerra de Deleuze e Guattari, com o modo como a nova direita — exemplificada pela figura de Trump — mobiliza o caos como estratégia de poder, utilizando as mídias digitais, a produção de fake news e o ressurgimento de uma racionalidade autoritária, que flerta com a ditadura pós-moderna.
Em Mil Platôs, Deleuze e Guattari descrevem a máquina de guerra como algo que nasce fora do Estado, nos movimentos nômades, nos fluxos que escapam do controle centralizado. Mas eles também afirmam que o Estado pode capturar essa máquina, reorientando-a para seus próprios fins destrutivos. No caso da nova direita global (Trump, Bolsonaro, Orbán, etc.), o que vemos é uma reapropriação da máquina de guerra para: destruir consensos democráticos; fragmentar a linguagem e o pensamento; colonizar o campo social com afetos negativos (ódio, medo, ressentimento). Entendemos assim que essa máquina não busca apenas vencer debates, mas aniquilar a possibilidade de debate, substituindo o logos pelo choque, o argumento pelo meme, o diálogo pela desinformação.
A máquina de guerra da nova direita encontrou nas mídias digitais um território ideal para operar, justamente por serem espaços rizomáticos, múltiplos, fragmentados, de difícil controle — como o próprio Deleuze descreve. Mas aqui, o que ocorre é um uso reativo e destrutivo do rizoma: em vez de multiplicar conexões libertárias, ele é usado para espalhar ruído, desinformação e desorientação.
As fake news cumprem uma função central nesse processo: elas desterritorializam a verdade, tornando-a irreconhecível; erodem a confiança nas instituições (ciência, imprensa, justiça); criam uma realidade paralela onde o líder caótico é o único referencial estável. Entende-se assim que essa é uma forma de guerra não convencional — guerra de narrativas, guerra de sentidos — em que não se busca apenas convencer, mas inundar, confundir e saturar. O objetivo não é a persuasão racional, mas o colapso da possibilidade do comum.
Entendemos assim que, o que emerge dessa estratégia não é uma ditadura no sentido clássico (com tanques nas ruas e censura oficial), mas sim uma ditadura molecular, espalhada em redes, afetos e algoritmos. Uma governamentalidade caótica, onde: a autoridade se exerce por meio de pulsos informacionais e repetições virais; o inimigo é constantemente recriado (o “comunista”, o “imigrante”, o “globalista”); o desejo social é canalizado para formas reativas: medo, moralismo, nacionalismo agressivo.
A máquina de guerra funciona aqui como captura do desejo social, impondo um regime onde o caos não emancipa, mas enrijece: um caos fascista, que paralisa o pensamento e impede a criação. Na linguagem deleuziana, podemos dizer que a nova direita promove uma espécie de corpo sem órgãos reativo — não aquele que se abre para a experimentação do novo, mas um corpo endurecido, paranoico, fechado sobre si, onde: as mídias digitais se tornam órgãos de excitação constante, que não produzem subjetividade livre, mas vinculação cega ao líder; o sujeito não pensa, apenas reage — a um post, a um vídeo, a um escândalo falso; o tempo se colapsa, pois tudo vira urgência, pânico, ameaça. Essa estratégia visa manter o poder não pela estabilidade, mas pela manutenção permanente do estado de exceção informacional.
Deleuze e Guattari já alertavam: o fascismo não é imposto apenas de fora. Ele se infiltra no desejo, faz desejar o próprio autoritarismo. A máquina de guerra da nova direita opera nesse plano: ela não apenas controla, ela faz gozar o caos. Desta forma Trump, então, não é só um político. Ele é um operador de máquinas, um engenheiro do caos, que entendeu que, em um mundo saturado de informação, vencer não é ordenar — é desorganizar primeiro, ou seja, é romper o equilíbrio entre o cosmótico e o caótico! No caos fabricado pela nova direita, a verdade não é apenas descartada — ela é desacreditada, desintegrada e substituída por um espetáculo onde o delírio se traveste de realidade e o autoritarismo se vende como liberdade.
IMAGEM: Infomoney
Excelente texto amigo, parabéns!
Sou estudante de Psicologia e me apaixonei recentemente por Esquizoanálise🤭
Estudando (para fazer uma apresentação) e seu texto contribuiu muito, obrigada!
"O poder não opera apenas pela ordem, mas também pela proliferação do caos."
Deleuze e Guattari
O caos causado por Trump, tem gerado instabilidade e mexido com as estruturas da econômica global. Este cenário traz à tona debate quanto aos riscos da concentração de poder, visto que quem detém o monopólio sobre determinação ação, decide o direcionamento de rumo de outras pessoas. Por outro lado, o caos tornou evidente questões que não são facilmente percebidas, como divisão desigual de riquezas entre nações; monopólio de mercado; centralidade da mídia na produção de falsas verdades; manipulação ideologia de parcela da sociedade, etc.
Importante reflexão diante do caos atual que os EUA está tentando promover na geopolítica
O texto analisa o tarifaço de Trump como estratégia deliberada de caos, articulando teoria política e filosofia contemporânea. Ao invés de erro, o caos é apresentado como método de poder, onde a desorganização serve para concentrar controle. Um olhar crítico sobre como a nova direita transforma o caos em arma política.
Excelente reflexão!