Para ouvir ao som da canção Frisson cantada por Elba Ramalho
Tinha tanta gente por ali. Cada um em sua alquimia, envolvido com os sons, a música. Era um show já perto da meia noite. Era um sábado, dia em que as pessoas parecem mais leves e também mais densas. Bebia-se água, vodka, uísque, gin, refrigerante e cerveja. Não era tão apertado, estava ventilado e era possível ouvir o som do mar se assim se desejasse. Tinha gente só, acompanhada, mal acompanhada, iniciando uma relação e terminando também. Foi quando olhei para o lado, seu olhar de mar jogou ondas em mim. Enchi e esvaziei, mas já estava encharcado, salgado, enfeitiçado.
Seu olhar traz doses imensas de afeição. Soa como um convite, uma porta de entrada amorosa e terna. Um olhar encolhido por um sorriso aparentemente tímido. Cheio de reservas. Um olhar farol, que ilumina para guiar e também desviar do que tumultua. Um cais, onde é possível aportar, ancorar sentimentos e vazios e perguntas também. Você olha olhando-se!
És inteiro, pleno, leve e calmo. Um olhar bem típico daquele mar de verão, por volta das 17h, água quente, mas sem ser bravio. A onda chega e vai como uma carícia, uma lambida em todo o corpo, uma maré que não invade, mas su-a-ve-men-te amorna e salga a vida. Aquele mar de fim de tarde, meio azul e meio laranja. E tem o vento suave, e tem a areia que por vezes voa até a gente. Aquela praia sem tanta gente, do som do mar, do mar cheio de sons.
Um olh(M)ar que atravessa sem invadir, que faz esquecer para lembrar aquilo que é sentir. Um “marolhar” que chocalha, balança. É movimento, é som, é afeto. É possível sentir. É possível experimentar. É possível mergulhar. Que cor são os seus olhos sendo que neles vejo o mar? Como sair deles se neles vejo existência e um convite ao mergulho? Seu olhar responde, mas também pergunta e silencia.
“Me olha, me toca, me faz sentir”, me fez MAR.
Dentro do seu olhar nadei para mim mesmo. Cheguei por aqui por dentro e senti calor, maresia, torpor, desejo. Fiquei quieto com tanta beleza. Quis deixar-me ser visto e salgado. Mergulhei e nadei novamente. Agora eu consigo ver, sim, seu olh(M)ar, ou melhor, seus olhos. São pretos. Acho que é isso. O crepúsculo não permite que eu veja totalmente, mas não quero isso, já basta estar mergulhado no seu mar.
Foto de Águeda Mascarenhas, em: https://www.instagram.com/p/BGtEL_PiEqS/?igsh=bjB6ZWphNHFuYzZ1
Que texto singelo, bonito e tocante.
Quanta profundidade, Xico! Que lindeza!