VOCÊ SABE O QUE É CELIBATO VOLUNTÁRIO? O QUE HÁ DE COMUM ENTRE ROSALÍA E EU
- Karla Fontoura
- há 5 dias
- 6 min de leitura

Tenho percebido um murmurinho na internet sobre celibato voluntário. É um tema já discutido em outros momentos mas que voltou às manchetes por conta da cantora espanhola Rosalía ter chamado bastante atenção pelo grandiosismo do seu novo trabalho musical. Seu álbum “Lux” foi lançado e apresenta uma cantora pop usando música erudita com uma condução maestral, produção e força vocal impecáveis - sem deixar de lado o fato de que ela canta 13 idiomas diferentes em toda a obra. Rosalía indica que parte desse resultado se deve ao seu “volcel”, celibato voluntário. Ela se fechou para relacionamentos e colocou imensa energia nesse conteúdo, impressionando o mercado fonográfico e alegrando os fãs.
Para quem está à parte do tema, vou explicar brevemente. Celibato voluntário é um movimento indicativo de mulheres que, mesmo com condições físicas, psicológicas e emocionais para terem vida sexual ativa ou se engajar em relacionamentos conjugais, decidem, por conta própria, não colocar energia nisso.
“Muitas mulheres encaram essa fase como um momento de pausa, autorreflexão e fortalecimento pessoal. Se um novo relacionamento surgir no futuro, ele será resultado de uma escolha consciente, e não de uma carência momentânea.” (BATISTA, 2025)
Comumente relacionado ao um comportamento de mulheres héteros que estão exaustas por sofrerem por comportamentos masculinos abusivos, como atitudes machistas, inúmeras traições e controle exacerbado, esse movimento também é reconhecido como um momento de sobriedade ou “man sober” (numa tradução chula: estar sóbria de sentimentos em relação aos homens). Não se trata somente de esgueirar-se do vínculo masculino, mas de pausar para olhar para si e usar energia para se reorganizar, trabalhar novas rotinas e hábitos ou, quem sabe, produzir um dos maiores discos da carreira, como foi o caso da Rosalía. Eu, particularmente, estou/estive nesse espaço de duas formas diferentes e posso explicar melhor como esse celibato se faz na vida de uma mulher e seus grandes efeitos.
O primeiro aconteceu depois da minha sofrida e penosa separação. No primeiro ano, eu estava completamente ao contrário de um celibato. Sai desse casamento sedenta de toque e não queria passar vontade. Sexo em si não foi meu forte, mas pequenos casinhos em baladas que passei a frequentar. Perdia as contas de quantas pessoas beijava ou me atracava no escurinho da pista de dança. Foi preciso muitos ataques de pânico com dores de cabeça horrendas, horas em crise de vômito e tonturas para que eu entendesse que nada daquilo resolveria meu problema.
Nesse ponto, a decisão do celibato voluntário se conectou à necessidade de saúde mental, um aspecto muito comum nas mulheres que vivem essa mudança de comportamento. Afinal, não é apenas sobre lidar com um relacionamento, que já pesa bastante para qualquer indivíduo comum, mas confrontar a ideia de que sua vida não precisa ser centralizada nas necessidades de um interesse amoroso - um viés altamente complicado para as mulheres que seguem sendo socializadas a cuidar de todos e principalmente do seu parceiro, namorado, noivo, esposo. Esse condicionamento social é tão predominante que se faz necessário abster-se de qualquer ligação sexual ou amorosa para entender o que se quer e como se quer. A cantora Anitta seguiu esse conselho e passou mais de um ano em celibato, como foi revelado em uma entrevista feita no podcast High Low da modelo Emily Ratajkowski.
“Eu passei quase um ano sem sexo, foi literalmente antes de fazer 30 anos. Agora para eu ter esse nível de intimidade com alguém leva bastante tempo, não importa quem for. Dá muito trabalho trocar energia com pessoas”, disse a artista.
Voltando a minha história, mudei os planos e segui em terapia 2 vezes na semana, atividade física regular, rotina regrada e boa alimentação. Conversar sobre as dores do casamento abusivo que vivi foi o suficiente para que qualquer nuance de tesão ou libido se extinguisse dos meus hábitos. Foi muito rápido e tranquilo aceitar o celibato voluntário nesse caso. Me dei um prazo de um ano para isso, caso qualquer tentação aparecesse. Por um ano, nada! Meses depois, a pandemia chegou e, o que era um ano, viraram três anos de abstinência para a segurança da minha saúde e do meu filho. Nenhuma vontade carnal me faria pegar Covid com qualquer pessoa.
Mais de mil dias sem colocar energia nisso não significou ficar confinada a sentimentos depressivos. Foi nesse momento que me entendi como escritora. Comecei meu blog, ativei minhas redes sociais para debater feminismo e maternidade real e produzi e lancei meu primeiro livro: “Todos os sentidos: poemas e suas histórias”. Despejei agonias, dores, raivas e toda a miscelânea de sensações acionadas no processo de cura pós separação na escrita de poemas. Em um caderninho de capa verde eu desenhava, lançava poemas ou cartas de despedida de mim. Entendi os caminhos que fiz, as escolhas que tracei e regularizei minha bússola interna.
Aí entra a outra vertente do celibato voluntário. O tempo, energia e dinheiro empreendidos em manter uma relação ou buscar interesses amoroso e sexuais são canalizados para projetos pessoais. Essa foi a afirmação clara da cantora Rosalía sobre a necessidade de se manter celibata. Ela queria focar toda a sua capacidade criativa, intelectual e sensitiva no seu trabalho, sem qualquer distração. Nem todas as mulheres farão grandes produções nesse período. Talvez seja totalmente o oposto. Apenas resguardar sua energia e olhar para si, sem precisar criar algo a partir daquilo. De fato, pode ser o momento essencial para simplesmente melhorar hábitos e refinar pensamentos.
No meu caso, após esse tempo de celibato, me abri para uma relação. Me joguei intensamente e vivi cada momento. Mas, claro, não era a mesma pessoa de antes. Não tinha carências ou sentia a necessidade de viver com aquele indivíduo. Com uma cabeça mais fresca sobre mim mesma, desisti da relação após 3 meses juntos, especialmente porque não percebi sinais de reciprocidade. O sofrimento e o luto vieram. Um tantinho de arrependimento também porque meu tempo, com certeza, se tornou um bem muito precioso. Soube olhar de novo para mim e compreender que não conseguiria exercer interesse em relações que não fossem profundas e enriquecedoras.
Toda essa reflexão abriu espaço para o segundo celibato voluntário. A escrita chegou como um cometa rasante e segui por dias produzindo muito. O choro aparecia na madrugada. Às vezes por medo da solidão, às vezes pelo alívio de não estar com quem não te deseja de verdade. Deixei vir tudo o que era necessário e demorei cerca de um ano para traduzir essa experiência de entrega no meus próprios pensamentos.
Mais uma vez, os poemas foram os principais refúgios. A energia se reorganizou e quando percebi já tinha uma nova obra em mãos. Nasceu “Alma Pedinte: poemas de um coração partido”. Neste livro tive a audácia de não apenas escrever os poemas de cura mas aqueles que borbulharam no olho do furacão da relação. A paixonite, o tesão enlouquecido, a vontade de querer mais, o medo de perder um amor pueril. Essa obra traça a jornada inteira, de ponta a ponta, entre se ver embebida de paixão, a decepção completa até a redescoberta de si mesma - com menos medo e mais empatia.
Com isso, vi que era um conteúdo facilmente reconhecível para qualquer pessoa que tentou amar de novo e encontrou o fundo do poço pela milésima vez. Decidi lançá-lo. Diagramei a obra de forma simples, com flores e plantas adornando as palavras e dançando com elas os sentimentos ali impregnados. Deixo ele agora para você, leitor. Clique aqui e baixe o seu gratuitamente.

Enfim, o celibato voluntário pode vir de diferentes emoções e sentimentos: medo, trauma, cansaço, arrependimento, etc. De qualquer forma, quando se chega a essa decisão, a vida pode tomar um novo rumo, especialmente para as mulheres que quase nunca tiveram tempo e energia para descentralizar as relações amorosas de suas vidas. Essa pausa, possivelmente, será um momento de ressignificar a identidade para além de ser “algo de alguém”, aprendendo a apenas ser por inteiro e sem intermediários. É aquela falta que deixa de ser ausência e se torna parte quando a gente quiser e como a gente quiser.
FONTE:
BATISTA, Jéssica. “Detox de homens? Celibato voluntário vira tendência entre mulheres”. Portal Revista Ana Maria. 08 de junho de 2025. Disponível em: <https://revistaanamaria.com.br/comportamento/detox-de-homens-celibato-voluntario/>. Acesso em 10 de novembro de 2025.


