top of page

DA RUA CHILE À RUA CHIQUE: O Loteamento do Centro Histórico de Salvador

Atualizado: há 2 dias


ree


Dia desses, me deparei com a notícia de que havia ocorrido uma festança em pleno Elevador Lacerda (pavimentos superiores) promovida por uma empresária que estava inaugurando um espaço para shows e casamentos. Desnecessário dizer que o regabofe tinha a presença de endinheirados, membros da elite baiana, que desfrutavam de um visual mundialmente conhecido, ao som de música ao vivo, bebidas top, brindes, e comidinhas gourmet. A inauguração do espaço, ao que tudo indica, faz parte de uma suposta “revitalização” da Rua Chile, o logradouro mais antigo do Brasil, fundado em 1549, junto com a cidade. Coloco o plano de retomada entre aspas porque tem sido visto por urbanistas como um projeto de gentrificação, ou seja, supervalorizar a área, encarecer produtos, e afastar o consumidor mais rastaquera, a fim do lugar ser apropriado por um público seletivo e com poder de aquisição. E nós, habitantes dessa cidade, alheios, alheios...

 

Desde 1902, quando ganhou o nome atual referente ao estreito país da América do Sul, essa rua ganhou destaque pelas imponentes lojas e o figurino luxuoso dos seus transeuntes décadas atrás. Com a descentralização do comércio e construção dos primeiros grandes shopping centers, a rua entrou em processo de decadência, com moradores de rua, tráfico de drogas, e prostituição. Já alguns anos, está havendo uma reativação de serviços, como hotelaria, galerias, e ateliês de decoração. Note-se que são atividades comerciais pouco frequentadas pelas classes baixas. Isso já aponta ofertas que espantam a maioria do nosso povo daquela região.

 

Como miséria pouca é bobagem, o prefeito Bruno Reis está concebendo a idéia de lotear a Praça Municipal e entregar o local de vez à iniciativa privada. Há um documento de Manifestação de Interesse Privado, em análise, para concessão da área. O Palácio Rio Branco já foi privatizado e agora o Palácio Thomé de Souza, sede da prefeitura, também pode ser cedido e se tornar um Centro de Convenções. Tudo pra desfrute dos bacanas. Tem até conceito novo criado pra atrair a grã-finada: rooftops, uma espécie de cobertura para abrigar eventos de porte médio

 

Nos anos 1990, O Pelourinho também foi revitalizado, com grande parte dos seus antigos moradores “remanejados” para outros locais. Durante algum tempo, funcionou um grande número de lojas, atrações musicais gratuitas, muita agitação, mas que depois se provou insustentável. Muitos equipamentos desapareceram e o local sobrevive da mítica dos tambores e da cultura baiana, mas sem apresentar uma inovação do local, algum modelo de frequência que garanta um equilíbrio nas ofertas que um patrimônio desse porte precisa expor.

 

Não apenas aquela região está sendo entregue aos investimentos milionários de quem detém o bambá. O bairro de Patamares passa por avaliações da prefeitura que pode permitir a verticalização maciça de prédios nas proximidades do Vale Encantado - área de Mata Atlântica que possui um imenso bioma e diversidade na fauna. Lembrando que o prefeito quer criar um circuito carnavalesco por lá e também melhorias na orla naquelas bandas. Mais um vez, acende o alerta de tornar o local um badalado point da alta classe média, que já reside naquelas redondezas e assim estender loteamentos que invadam áreas ambientais preservadas.

 

Projetos de revitalização são bem vindos, contanto que considerem que as vias públicas pertencem á população como um todo, pois tudo é feito com impostos dos contribuintes. De fato, é duro ver locais históricos sendo degradados, carentes de atenção e revigoramento. Porém, parece que os planos passam sempre por investimentos que beneficiem quem pode colaborar com o retorno do que foi investido. Com isso, pequenas Manhattans brotam em áreas turísticas, à revelia da grande população, e com o silêncio das autoridades. A concessão da Praça Municipal mostra bem o poder econômico que visualiza alguns perímetros do seu interesse e deixa a cidade à deriva, sofrendo a cada volume de chuva e transporte precário. Todas essas intervenções operam melhorias estruturas para usufruto dos mais abonados.

 

Não vou nutrir perspectivas de que um projeto paisagístico e urbano atenda a toda população. E vejo toda essa iniciativa revitalizante um claro sinal de apartheid social que se encaminha em nossa soterópolis. Novidade zero.


FONTE:


 

 

 

IMAGEM: Portal Salvador da Bahia

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
SOTEROVISÃO
SOTEROVISÃO

CONHECIMENTO | ENTRETENIMENTO | REFLEXÃO

RECEBA AS NOVIDADES

Faça parte da nossa lista de emails e não perca nenhuma atualização.

             PARCEIROS

SoteroPreta. Portal de Notícias da Bahia sobre temas voltados para a negritude
bottom of page