HASOS, DE BACO EXU DO BLUES: Quando a Arte Vira Cuidado com a Saúde Mental
- Kaihany Assis

- há 5 horas
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HASOS não é um disco feito para tocar ao fundo. Os discos produzidos para confortar, costumam organizar emoções, suavizar ruídos. Não é o caso desse disco! Ele exige escuta. Baco Exu do Blues constrói um álbum que encara sentimentos difíceis como: raiva, frustração, medo, desejo, solidão, sem tentar organizá-los demais. E talvez esteja aí sua maior força! HASOS soa como a vida psíquica real, que raramente é linear ou bem resolvida.
Ao longo do álbum, Baco alterna momentos de confronto e fragilidade. Ele fala de amor, de identidade, de cansaço emocional e de excessos como quem tenta entender a si mesmo enquanto fala. Não há pose de superação fácil. O que existe é a exposição de conflitos internos que muitos reconhecem, mas poucos verbalizam.
Do ponto de vista da psicanálise, isso é fundamental. Freud já apontava que aquilo que não é simbolizado retorna como sintoma. Quando sentimentos são reprimidos, ignorados ou deslegitimados, eles não desaparecem, apenas encontram outras formas de se manifestar, muitas vezes como angústia, irritação constante ou esgotamento. HASOS funciona justamente como um exercício de simbolização: a dor ganha palavra, ritmo e forma.
O álbum também dialoga com uma ideia central da psicanálise contemporânea: a de que o sujeito se constrói na relação com o outro. Ao tornar públicas suas contradições, Baco não fala apenas de si. Ele cria identificação. Quem escuta percebe que não está só em suas ambivalências emocionais. Esse reconhecimento tem efeito psíquico importante, pois reduz o isolamento, um dos principais agravantes do sofrimento mental.
Em um país onde ainda se associa força ao silêncio e vulnerabilidade à fraqueza, HASOS vai na contramão. O disco mostra que falar sobre dor não é sinal de colapso, mas de elaboração. Que admitir limites pode ser um gesto de cuidado. E que a arte pode ocupar um lugar semelhante ao da escuta clínica: não resolve tudo, mas acolhe, organiza e dá sentido ao que parecia confuso.
É importante dizer: ouvir HASOS não substitui terapia, nem pretende ser um manual emocional. Mas o álbum cumpre um papel essencial na conversa sobre saúde mental ao legitimar o sentir. Ele lembra que sofrimento não é defeito individual, mas parte da experiência humana atravessada por contexto social, histórico e afetivo.
Ao transformar dores em linguagem compartilhável, Baco reafirma a arte como espaço de elaboração psíquica. HASOS importa porque nos lembra que cuidar da saúde mental começa, muitas vezes, por algo simples e difícil ao mesmo tempo: escutar o que dói e permitir que isso tenha nome.
Entre dores nomeadas e silêncios rompidos, o trabalho reafirma a arte como espaço de escuta e cuidado. Um disco que não anestesia, mas acompanha e, ao acompanhar, lembra que ninguém atravessa sozinho o que dói.
IMAGEM: Capa do disco, criada pelo artista visual e designer baiano Brendon Reis.



Excelente texto