NILO DOS SANTOS, UM ARTISTA DO MUNDO NAS RUAS DE SALVADOR
- Karla Fontoura

- 16 de out.
- 8 min de leitura

Era uma tarde quente e chuvosa em Salvador quando eu decidi ir ao Cine Glauber Rocha, localizado em frente a famosa praça do poeta. Próximo a mim, chegou um senhor negro de cabelo brancos e simpatia estampada. Carregava uma bolsa diferente. De forma retangular, parecia ser um compartimento feito especialmente para carregar algo grande, como um quadro.
Mal pude especular do que se tratava, quando este senhor colocou sobre a mesa a bolsa na minha frente e abriu, tirando de lá seu conteúdo e já puxando um papo sobre arte, orixás e cultura da Bahia. Disse que estava vendendo sua arte e perguntou se eu tinha interesse. O material era belíssimo e super agradável, uma estética que gosto de compor na minha casa, mas dinheiro não é a minha benesse esse ano.
Neguei a possibilidade de compra mas não quis deixar o papo morrer. O senhor se empolgou e passou a falar sobre sua arte, como ele a faz na sua casa, como aprendeu a técnica. Não resisti. Precisava ouvir mais e guardar essa história para trazer aqui. Pedi permissão a ele para gravarmos a conversa. Assim, eu teria a preciosidade da sua história, e ele, a divulgação de seu trabalho. O artista topou e surgiu esse bate-papo que você acompanha agora.
1- Olá Nilo! Primeiro, se apresente, por favor:
Sou Nilo dos Santos e trabalho com a Xilogravura, uma arte pré-histórica porque em todos os continentes, em todos os países do mundo há gravuras em pedras rochosas, desde o princípio da nossa existência.
É uma temática que eu trabalho visualizando a cultura afro-brasileira, dentro da religião do candomblé. Então essa aqui é uma Obá, que eu sempre faço [aponta para sua arte]. Isso aqui é feito em madeira de cedro. Mas, essa madeira está proibida pelo desmatamento ilegal no Amazonas. Eu vou em Feira de Santana buscar essa tábua. Lá tem uma mercearia que trabalha com móveis usados antigos de repartições públicas. Então, compro essas tábuas, que são caríssimas, para poder fazer as gravuras.
Para fazer essa gravura, primeiro preciso desenhar várias vezes porque eu tenho uma vista só. Desenho várias vezes em um papel comum. Depois passo para um papel vegetal com um carbono e torno a repassar para a tábua. Aí corto com um bisturi essa madeira. Demoro 3 meses para fazer porque trabalho 4 horas por dia. Senão dá aquelas dores na mão chamada LER.
2 - Quantos anos o senhor tem?
Vou fazer 70 anos em dezembro. Entrei na UFBA como gaiato porque a porta estava aberta, na Rua 28 de setembro, em 1968. Eu fui para a aula no Museu de Arte e Ofício, mas como nesse dia não teve aula, desci a 28 de setembro e a porta estava aberta. Naquela época, a escola de Belas Artes era lá. Eu entrei, vi os outros fazendo arte e gostei. Segui indo às aulas.
3 - O professor não reparou que você não era estudante?
Eu nem era estudante, nem nada. Eu tive ajuda das pessoas que foram gostando de mim, e aí fui construindo material também. Tinha pouca gente fazendo aula e o professor foi deixando. Cumpria o que todo mundo fazia: desenhar, passar para a madeira e fazer gravuras.
4 - Você já desenhava?
Sim, desenhava na escola. Tenho o segundo grau. Eu não era acadêmico, nem nada, aí tive que sair da Escola de Belas Artes. Então, fui trabalhar com pesca, com bomba de puxar água. Depois de velho, voltei de novo, já em 1984.
Fui para o curso de cerâmica de Betânia Vargas no MAM (Museu de Arte Moderna da Bahia), que era aberto e gratuito. Depois eu aprendi xilogravura com Márcia Abreu, também no MAM. Fiquei muitos anos com a Márcia Abreu, aprendendo muitas coisas.
5 - Quanto tempo você ficou na xilogravura?
Fiquei muitos anos. Entrei nos anos 80 e sai quase em 1999. Aprendi muita coisa. Eu nunca tive a prensa para fazer as figuras em xilogravuras. Ela é muito cara. Então eu imprimo no cilindro. Comecei em 1984, usando o cilindro em casa. O MAM não me dava oportunidade de eu imprimir tantas gravuras lá. Só conseguia imprimir o que era da aula, que durava 4 horas. O que eu precisava, fazia em casa, no meu cilindro.
[Animado, Nilo divide comigo um vídeo dele no YouTube mostrando como uso uma cilindro e seus pés para imprimir suas gravuras pela técnica de xilogravura. Assista abaixo]
6- Você já vendia nessa época?
Já! Vendia gravuras e peixe também.
7 - Como você vendia na época em que não tinha internet?
Vendendo na rua, nos restaurantes, em lugares que os turistas frequentam.

8 - Por que você escolheu esse tema dos orixás?
Porque é uma cultura discriminada. Ela é olhada por povos de outros países que vem aqui abraçar a nossa cultura, nossa culinária. Você sabia que a cultura dos orixás está na gastronomia, na cultura, nas celebrações, em tudo?
Então, eu tenho essa oportunidade de levar esse conhecimento para diversos povos, de diversos países do mundo. Hoje já tenho catalogado as minhas gravuras em 36 países do continente africano! Porque os africanos estão vindo resgatar a cultura que trouxeram para cá.
9 - Eles pegam uma obra sua aqui e catalogam no país deles?
Sim, eles botam em um lugar de destaque. Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, República de Benin, Gana, Angola e outros países. Eles vêm para debates dentro do CEAU (Centro de Antropologia da UFBA) e também participam de eventos na Escola de Letras da UFBA. Eu vou nesses lugares e encontro vários estrangeiros de diversos países. Eu mostro a cultura daqui e eles gostam da temática e compram na minha mão.
10 - Você já chegou a fazer uma exposição?
Teve uma exposição minha em Detroit, em Michigan. Eu não fui até lá. Assinei um contrato, dando permissão para que pudessem expor meu trabalho.
Essa exposição foi feita pela professora Bárbara Cevenca e Maion Jackson, conforme eu tenho no folder e vou mostrar a você [ele tira da sua mala o folder e me mostra]. Tem também um livro que foi lançado pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, que apresentou vários artistas e eu fui incluído. Meus trabalhos também estão catalogados lá.

11 - Você chegou a fazer uma exposição em que estava presencialmente no local?
Eu fiz aqui, na Casa de Benin, no Pelourinho. Estive também na exposição coletiva no Museu de Arte Moderna da Bahia. Hoje eu sigo vendendo de pessoa em pessoa ou na internet. A pessoa me passa uma mensagem, manda o dinheiro, eu mando pelos correios e chega.
12 - Sobre sua arte, qual tinta você utiliza para carimbar os desenhos?
Essa tinta é bem específica. É uma tinta tipográfica um pouco mais cara. Não tem aqui. Ela é de fora. É própria para “entranhar” na madeira para fazer a impressão. Essa daqui [aponta para a gravura] é a tinta vermelha magenta tipográfica, só que eu misturo com tinta feita com nicuri, que os Pataxós usam. Faço isso para realçar o vermelho, para ficar diferente, sabe? Porque se alguém tentar fazer igual, não vai chegar no mesmo resultado.
13 - Onde você faz sua arte?
Na minha casa. Eu moro no prédio do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC). Esses dias, por conta da ventania, eu perdi várias gravuras. A janela trepidou e eu não estava em casa. A chuva molhou tudo. Eu perdi tudo o que eu tinha, 18 gravuras.
14 - Você disse que a madeira e a tinta são caras. Então, o dinheiro que você ganha é basicamente para comprar mais materiais?
Sim. Ganho muito pouco. Vendendo uma gravura a R$ 500,00, R$ 400,00, eu saio ganhando R$ 20,00 porque o resto é tudo de gasto. Ser artista é para quem tem dinheiro. As gravuras de Sussuarana são muito menores do que essas, mas custam 10, 15 mil reais. E é feita do mesmo processo que eu uso.
15 - O que te motiva a continuar desenhando, pintando e tentando vender?
Para mim, é prazeroso disputar esse espaço com os poderosos. Também gosto de incentivar outras pessoas a vir ao Brasil. Porque os turistas gostam de comprar essa temática.
16 - Você acha que sua arte é mais valorizada pelos turistas do que pelos soteropolitanos?
Pelos turistas, sim. Porque poucas pessoas daqui compram, mas também não deixam de comprar. Mas, são poucas. As pessoas de fora sempre compram mais.
17 - Você acha que o fato de você desenhar orixás faz o brasileiro comprar mais, ou menos, seu trabalho? Existe preconceito?
Tem preconceito sim. Mas também você pode perceber que a temática das escolas de samba do Rio, de São Paulo é tudo praticamente orixá. E é bancado por pessoas de outros países com alto poder aquisitivo que investem naquelas fantasias. Isso é o que me motiva, me incentiva a fazer. Para que as pessoas venham para cá ver mais a nossa temática, a realidade.
Se os africanos vêm aqui e compram meus trabalhos é porque um dia eles trouxeram para cá. Através do Centro de Antropologia da UFBA e da escola de Letras, eu tenho esse contato. É prazeroso. Eu não ganho, mas, pelo menos, tenho a felicidade de saber que alguém lá fora está falando bem da Bahia e do Brasil. Para mim, é prazeroso divulgar o meu país.
18 - O senhor tem algum sonho que ainda não realizou?
O sonho que eu ainda não realizei é ter um equilíbrio de vida. Eu trabalho muito. Às vezes eu viro noite para fazer essas gravuras. Levo duas, três noites para fazer uma gravura.
19 - Você queria uma estrutura, pessoas te ajudando, por exemplo?
Isso! Para que eu pudesse me equilibrar um pouco mais. Para que eu tivesse um horário certo para trabalhar.
20 - Você queria só fazer as gravuras e que alguém vendesse, por exemplo?
Não queria alguém vendendo. Porque, nesse meio da arte, há diversos exploradores. Deixa eu te contar uma coisa: em 1992 (chega a me arrepiar), eu vendi para um italiano 50 gravuras. Chamava-se Andrea Pati e era de Palerma, na Itália. Mas lá na Itália, em diversas cidades, ele colocou as minhas gravuras a mais de 300 euros. Ele disse que estava me ajudando, mas não mandou nenhum euro para mim. Pagou as gravuras na nossa cédula, mas lá ele estava explorando. Eu paguei praticamente a passagem dele, de ida e volta, daqui para a Itália. Isso é chato. Eu, como artista, saber disso…
Sabe como foi que eu soube? Eu estava na Ordem Terceira do Santíssimo com as gravuras, vendendo, e aí veio um guia com um grupo. Eu mostrava as gravuras até que uma italiana comprou duas. Eu pedi até caro. R$ 500,00 cada, quando eu vendia a R$ 400,00. Ela pagou as duas gravuras e ainda me deu R$ 1000. Fui devolver o dinheiro. Falei com o guia e ela disse que era presente para mim porque, lá no país dela, não tinha condições de comprar minha arte. Era muito caro comprar.

23 - Tem alguém que é referência para você, alguém que te inspira como artista?
Todos me inspiram como artista. Porque é gratificante ver que alguém faça arte, mesmo que seja outra temática. Alguém que incentive as pessoas a gostarem da arte que a gente faz.
24 - Tem mais pessoas na rua como você, vendendo sua arte?
São poucos. Porque o governo não ajuda a gente. A gente não tem uma contribuição. A Lei Rouanet é para artista rico. É para Daniela Mercury e outros artistas… Eles não catalogam os artistas que fazem arte, e estão em diversas cidades do país, para ajudar de alguma forma. Não fazem isso! Por exemplo, uma pessoa pode pegar dez artistas, formar um grupo e apresentar para a Lei Rouanet. Eles aprovam e mandam o dinheiro, mas a pessoa não repassa para o grupo. Amigos meus tentaram e ficaram decepcionados. Eu não vou correr atrás disso. Prefiro sair para vender.
O pouco com Deus é muito. Sem Deus, é nada.
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