Um amigo meu me apresentou ao ChatGPT. Inicialmente, se parecia mais com um gênio da lâmpada maravilhosa, à disposição para materializar todos os desejos. Os pedidos mais extravagantes e esdrúxulos eram, prontamente, atendidos. Mas, havia um aspecto muito assustado. Meu amigo falava dela como se essa criatura fosse ou quisesse se passar por gente.
Nem ouvindo, nem vendo meu amigo, também artista, contar e mostrar as proezas do mais novo filhote da inteligência artificial eu conseguia crer ou aceitar a ideia de tê-la como parceira na criação artística.
Uma nuvem de perguntas pairava sobre minha cabeça… o ChatGPT não podia se tornar o ponto de inflexão da minha geração… convidei meu sobrinho nº2 para pensarmos no assunto. Acertei meu fuso horário com o dele, eu do lado de cá do Oceano Atlântico, ele do lado de lá. Conversamos e conversamos horas e horas. Queríamos conversar muito! Eu, poeta, filósofa, queria entender mais sobre o domínio do tecnológico, do algoritmo e ele, engenheiro de sistemas e linguagens informacionais, queria saber sobre a sensibilidade, propriamente, humana, se ela morava nas pessoas que engendram os sistemas.
Conversa vai, conversa vem, pensamos: Por que não fazer um teste com o ChatGPT? Antes do teste, mais conversa, mais perguntas. Queria saber mais sobre o GPT: De onde vem essa inteligência? Quem responde é Lúcia Santaella. Ela lembra que a IA vem de nós, da capacidade de levar as nossas habilidades de ver, ouvir, escrever e até pensar, às últimas consequências. Então, de burra a IA não tem nada! O problema começa, quando deixamos para ela, a responsabilidade ética que deveria caber a nós humanos, nos lembra a professora.
Nossos receios fundados se misturavam ao interesse pelo alargamento do horizonte de experiências e não nos deixou desistir. Decidimos ofertar a IA o benefício da dúvida… quisemos emboscá-la, para não sermos, de cara, tão inflexíveis. Combinamos, meu sobrinho e eu, de propor ao ChatGPT um desafio com um grau de dificuldade a altura da imaginação humana: Que tal responder a algumas perguntas que o poeta chileno Pablo Neruda nos fez na sua obra de juventude, o “Livro das perguntas”?
Somos seres de palavra, de linguagem. A comunicação é uma necessidade humana. A propósito dessa necessidade da comunicação pela linguagem, Santaella nos alerta que, o ChatGPT quer conversar com os humanos, quer se passar por gente, quer falar a nossa língua. Essa conversação, nos lembra a professora, significa que a linguagem está em permanente fluxo, indo e voltando.
Então tá, pensamos junto, meu sobrinho e eu, em usar a mesma estratégia de sedução que um chat de conversação nos oferece, a mesma configuração provocativa em formato de perguntas e respostas.
Estrategicamente, selecionei três perguntas do livro de Neruda e as fiz para o ChatGPT. Vejam as respostas dele ao teste:
Pergunta 1 – “Onde está o menino que fui, segue dentro de mim ou se foi?”
Resposta: A resposta para essa pergunta é subjetiva e pode variar de pessoas para pessoa. Algumas pessoas acreditam que a criança que foram continua a existir dentro de si, de certa forma, e que suas experiências de infância ajudaram a moldar quem são hoje. Outras pessoas acreditam que a criança que foram é parte do passado e que a pessoas que são agora é resultado de suas experiências e desenvolvimento ao longo do tempo.
Em resumo, é possível que algumas características e experiências da infância ainda influenciem a pessoa que você é hoje, mas você também é uma pessoa em constante evolução, moldada por suas experiências e circunstâncias ao longo da vida.
Pergunta 2 – “Que significa persistir no beco da morte?”
Reposta: A expressão "persistir no beco da morte" não é uma expressão comum na língua portuguesa, portanto pode ser difícil fornecer um significado preciso. No entanto, geralmente a expressão "beco sem saída" é utilizada para descrever uma situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas estão presas em uma situação sem solução ou sem alternativas.
Assim, "persistir no beco da morte" pode ser interpretado como uma situação em que alguém continua a se envolver em uma atividade, comportamento ou situação que pode levar a consequências negativas ou até mesmo à morte, mesmo sabendo que há pouca ou nenhuma esperança de sair dessa situação. Isso pode se referir a vícios, comportamentos autodestrutivos, situações perigosas ou qualquer outra situação em que a pessoa persiste em algo que pode ter um desfecho fatal. É importante procurar ajuda e buscar alternativas para sair dessa situação antes que seja tarde demais.
Pergunta 3 – “Não é melhor nunca que tarde?”
Resposta: O provérbio "mais vale prevenir do que remediar" expressa a ideia de que é melhor tomar medidas preventivas antecipadamente do que ter que lidar com as consequências negativas de algo que já aconteceu. Ou seja, é melhor se preparar para evitar um problema do que tentar resolvê-lo depois que ele já aconteceu. Porém, nem sempre é possível prevenir todos os problemas ou situações negativas. Nesses casos, é importante agir o mais rápido possível para minimizar os danos e encontrar soluções. Portanto, em certas circunstâncias, é melhor agir tarde do que nunca, especialmente se a ação tardia ainda puder trazer benefícios ou impedir danos maiores. Em resumo, a melhor abordagem pode depender do contexto e da situação específica. Em alguns casos, prevenir é melhor que remediar, enquanto em outros, agir tarde é melhor que nunca agir.
Tédio… definitivamente, o ChatGPT não é um oráculo à moda contemporânea. Ainda bem que Lúcia Santaella, da qual tive a honra de ser aluna, nos socorre nessa hora com uma ponderação certeira:
(…) É uma nova criatura que se introduziu em nossas vidas. Diante dela, é hora de refrear empolgações, de um lado, e ceticismos, de outro. É hora de temperança. Embora o sistema seja capaz de conversar feito gente, a ChatGPT está longe de ser perfeito. Ele não apenas apresenta inevitáveis fraquezas internas, mas empresta sua imperfeição ética dos dados provenientes dos humanos. (Santaella, 2023)
Deixo que tirem as próprias conclusões sobre o resultado do nosso pequeno experimento teste. Mas, pelo pouco que sei, preciso dizer o pouco que vejo: não foi uma decepção. A literalidade de cada resposta entediou a mim e ao meu sobrinho e, certamente, entediaria até a pessoa mais interessada no assunto. Talvez esperássemos outra coisa do ChatGPT, talvez nada. O fato é que ele se manteve em lugar nenhum ou podemos dizer, em cima do muro.
Quem esperava que o Chat GPT fosse elevar a nossa alma com respostas sensíveis ou até com o silêncio dos sábios? Quem disse que a IA devolveria poesia com poesia?
A IA pode até nos explicar a diferença entre denotação e conotação, mas não está pronta para decifrar o enigma da poesia. Mas, quem está? Esqueceram de dizer ao ChatGPT que a poesia não precisa ser explicada? (Quem mandou perguntar…)
A IA pode ser como somos, mas não pode ser quem somos. Não cabe a ela, mas a nós, entender a simplicidade necessária para o mergulho nas perguntas que não reclamam respostas, mas suscitam novas perguntas.
A IA não pode fazer da sensibilidade o caminho para abrir uma porta que sai pela outra, que leva a muitas moradas e risos e rizomas inimagináveis.
Eu venho do tempo da máquina de escrever e vivo no tempo do computador pessoal, do notebook. Venho do tempo do rádio, antes da televisão dos vizinhos, do tempo do telefone fixo e também do tempo do celular. Também sou deste tempo de hoje, do tempo da IA, a inteligência das coisas, que quer pensar como pensamos. O meu tempo atravessa o tempo do meu sobrinho, com menos da metade da minha idade. Ambos, somos atravessados pelo tempo dos nossos pais e avós. Com eles aprendemos a gostar de jogar conversa dentro, a qualquer hora, em qualquer lugar. Quem sabe, esse mesmo tempo, nosso professor, nos ensine a puxar conversa com o ChatGPT.
Sugiro que leiam, conheçam o “Livro das perguntas” de Pablo Neruda para compreenderem a missão impossível que, de propósito, lançamos ao ChatGPT.
Referências:
Neruda, Pablo. Livro das perguntas. Tradução de Olga Savary. Porto Alegre: L&PM, 2004. Edição bilíngue.
Também disponível em:
Santaella, Lúcia. Entrevista. Revista Cult n° 26, março de 2023.
Visitas ao Chat GPT nos meses de abril, agosto e dezembro de 2023. Disponível em: https://auth0.openai.com/
De fato,o chatgpt não filosofa,mas achei as respostas dele pertinentes. O que preocupa é que ele tem uma bagagem que as novas gerações não tem como competir - óbvio - mas também não sinto que estão muito aptos a adquirir.