A categoria artista de rua é bem diversa na cidade de Salvador: temos o cara que toca violino no metrô, o senhor que toca sanfona nos ônibus, os grafiteiros que deixam suas artes pelos muros da cidade, os vendedores de artesanato da Barra/Rio Vermelho/Itapuã/Pelourinho e os poetas que divulgam seu trabalho nos coletivos. Hoje vamos falar um pouco deles, dos que entram e já pedem desculpas por atrapalhar o silêncio de nossas viagens, como uma demonstração de humildade, já que eles sabem que a palavrinha mágica tem que ser a nossa (de agradecimento pelo trabalho que eles desenvolvem).
Essa categoria que tem cor, gênero, classe social e faixa etária bem definida sobe diariamente no buzu, em qualquer horário do dia, para apresentar seu trabalho no ínicio e sua bolsinha no final (‘’pequenas empresas, grandes negócios’’), levando entretenimento para nossa viagem cansativa às vezes quente, às vezes climatizada.
Embora muitas pessoas possam se assustar e logo esconder seus pertences quando o artista de rua sobe no coletivo para divulgar a palavra da arte, o poeta não desiste de passar sua mensagem e conscientizar a população através da fala.
Sempre gostei de contemplar as mensagens das poesias dos artistas de buzu e recentemente eles têm se apresentado com um repertório novo onde abordam o significado do nome de alguns bairros da cidade de salvador (entre eles: Pelourinho, Largo do Tanque, Liberdade, etc.).
Outro dia mesmo, estava no buzu saindo da estação da Lapa e um artista subiu no coletivo para divulgar uma poesia dessas. Ele começou assim mesmo, perguntando se as pessoas sabiam o porquê dos nomes dos bairros e depois, com o sucesso na interação (em grande parte advinda das senhoras evangélicas - e isso é interessante ressaltar porque é bacana pensar quais as representações sociais tendem a se apoiar/validar), se aventurou com uma série de pegadinhas para tentar a atenção do povo, como por exemplo a famosa ‘’qual a cor do cavalo branco de Napoleão’’ ou ‘’quantos animais Moisés levou na arca?’’. Esse momento foi bem engraçado, mas juro que me questionei qual seria o objetivo daquela brincadeira, uma vez que, o artista de buzu sobe no coletivo para passar uma mensagem social, para conscientizar a população através da arte. Surpreendentemente (e é uma tristeza usar essa palavra porque nunca podemos duvidar do poder da arte), o poeta disse assim:
‘’Gente, agora pensem comigo: eu que não estudei, consegui enganar vocês com essas pegadinhas, onde vocês não estavam prestando atenção nas coisas, porque eu dava indícios de que a resposta era uma, mas na verdade era outra, imaginem os políticos que estudam anos e anos, o quanto que eles não podem nos enganar.’’
E não contente, o jovem poeta ainda meteu essa:
‘’Se o cavalo tivesse noção da força que ele tem, ele jamais deixaria ninguém montar nele, vocês concordam comigo?’’
E depois ele finalizou dizendo que aquelas pessoas ali seriam fortes e potentes se tivessem dimensão disso e se, coletivamente, pudessem se organizar para que ninguém ‘’monte’’ em cima delas.
Foi um show essa viagem, aquele poeta nunca deveria entrar no coletivo pedindo desculpa, porque no final das contas, nós que temos muito a agradecer.
Poetas de Salvador-mundo, por favor, continuem unindo-se.
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Referência da imagem: https://atarde.com.br/cultura/coletivos-de-jovens-poetas-transformam-onibus-em-palcos-itinerantes-924522
Esses artistas e baleiros já foram mais numerosos. Não sei se isso é bom ou ruim,sinceramente.