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REGRAS DA MISOGINIA: DO IMPULSO PARA O ATO

Foto do escritor: Karla FontouraKarla Fontoura



Uma cena do cotidiano. Uma jovem mulher entra em um elevador dentro do prédio comercial na qual trabalha como nutricionista. Nele está um homem de meia idade de boa aparência e silencioso. Ela chega ao local de destino e ao sair, sente algo tocar suas nádegas. São as mãos do homem tocando seu corpo. Ela se vira indignada e ele, desesperado, aperta o botão para fechar a porta do elevador e olha brevemente para a câmera. A porta abre e ele sai correndo pela garagem do prédio, entra em seu carro branco de alto valor e foge em disparada. 


Tudo foi amplamente registrado pelas câmeras do local, o homem foi denunciado pela vítima, perdeu seu emprego e responde ao processo em liberdade, sob a acusação de importunação sexual. Um ato de segundos pode ter destruído a carreira de empresário desse homem que teve o rosto estampado nos principais portais de notícias do país e foi completamente condenado pelas discussões nas redes sociais. Não quero falar da minha indignação pelo ato obsceno e machista deste homem infeliz. Eu quero me ater ao ato. Aquela sensação que tomou conta dele nos segundos que viu o corpo de uma mulher desconhecida e escolheu tocá-lo sem o consentimento dela. 


Anos antecederam aqueles segundos entre a mão do homem e um corpo feminino alheio. Foi a infância dele, fazendo diferenciações sobre os meninos e as meninas, colocando-as em espaço de fragilidade, não por incapacidade própria, mas como objeto de manipulação disponível, impossibilitado de saber se defender. Foi sua adolescência, acessando filmes pornográficos onde uma nádega é apenas um detalhe e deixa de fazer parte de um ser inteiro e pensante. Foi a vida de jovem adulto, com pequenos desafios entre amigos sobre quem é mais ousado para experimentar o que é proibido ou abusar de uma mulher bêbada na balada. O que guiou esse homem a achar uma vontade que ultrapassou o seu próprio senso de autoproteção, mecanismo de sobrevivência básico do ser humano, foi uma linha do tempo alicerçada no mais puro ódio e desprezo ao feminino, a misoginia.  


Existem termos que simplesmente falamos sem ao menos nos dedicar a entender o significado deles. No ano de 2020, a palavra da vez foi a tal sororidade, comentada por uma participante do reality show Big Brother Brasil. O Google apresentou um aumento significativo de pesquisas sobre o assunto. Na outra ponta da ideia de sororidade, temos a misoginia, uma palavra de escrita complicada e que, por si só não consegue, nos dar uma pista sequer do que se trata. No bom português, misoginia seria a aversão e ódio às mulheres. 


No ano de 2023,  essa pauta despontou quando observamos a presença dos grupos de homens redpill e seu explícito ódio às mulheres. A situação movimentou a internet de maneira tão intensa que houve até campanha para a criminalização da misoginia no Brasil. Nesta época, a psicóloga e pesquisadora Valeska Zanello se juntou a esse movimento e alertou:


“A misoginia é tão entranhada na nossa cultura que ela é tida como ‘aceitável’, passível de ser relevada. Ela está presente na esfera pública e privada e ocorre desde ‘piadas’ nada engraçadas (sexismo recreativo, parafraseando Adilson Moreira) à misoginia política e nos ambientes de trabalho! Além de ser extremamente comum na internet!!! Passou da hora de a misoginia ser CRIMINALIZADA, assim como o racismo, a homofobia e a transfobia. Por que será que isso até hoje não aconteceu????”.

Mas, você sabia que, anos antes, a feminista e escritora americana Andrea Dworkin, baseado em seus estudos, criou as regras da misoginia? Seu trabalho é voltado a argumentar como os homens posicionam seu ódio sobre as mulheres, enxergando-as como objetos de controle e opressão. Conheça as nove regras:


Primeira regra da misoginia:

Mulheres são responsáveis pelo que os homens fazem.


Segunda regra da misoginia:

Mulheres dizerem “não” para homens é um crime de ódio.


Terceira regra da misoginia:

Mulheres que falam por si mesmas são exclusionárias e egoístas.


Quarta regra da misoginia:

As opiniões femininas são violência contra os homens, mas a violência dos homens contra as mulheres é justificada.


Quinta regra da misoginia:

Mulheres e Feminismo devem servir aos homens, ou são inúteis.


Sexta regra da misoginia:

Mulheres que saem por aí sendo mulheres na frente dos homens, menstruando e amamentando, devem ser punidas.


Sétima regra da misoginia:

Mulheres devem ser gratas aos homens por tudo.


Oitava regra da misoginia:

Homens são o que quer que os homens queiram ser. Mulheres são o que quer que os homens digam que elas são.


Nona regra da misoginia:

Homens sempre sabem as “verdadeiras razões” para tudo que as mulheres fazem ou falam.


Com o que foi delimitado pela escritora, eu consigo acessar o trajeto cultural e social  que atravessou as barreiras de humanidade daquele homem no elevador ao observar um corpo feminino à sua frente. Para ele, aquela mulher deve servi-lo (quinta regra) e, por isso, partes do corpo dela poderiam ser tocadas sem autorização, afinal, ele é um homem que faz o que quer, enquanto ela deve ser o que ele dita que ela seja (oitava regra). A posição dela, na visão do empresário, é que ela não deve dizer “não” para a vontade dele (segunda regra) e se, por acaso, ela se sentir violentada pelo toque dele, ele pode adequadamente justificar a roupa que ela usava ou maneira como se posicionava dentro daquele elevador (quarta regra).


Esse texto é escrito com o propósito de você olhar cada notícia alarmante sobre um ato machista como uma linha de chegada de uma corrida que percorre a vida inteira de um sujeito que foi submetido a discursos, comportamentos e ideias danosas sobre a mulher e sua presença nesse mundo. A misoginia está em cada uma dessas etapas, alimentando a coragem, a voracidade e a impetuosidade que logo estará ao alcance de um corpo feminino. Para desmantelar essa terrível linha é preciso uma educação feminista libertadora, mais espaço para as vozes femininas e punição justa e severa! 


Fontes:



Fonte da imagem: 


34 visualizações3 comentários

3 Comments

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Guest
Jan 20

Um texto impactante que precisa ser amplamente divulgado e discutido.

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Esse episódio é apenas um de tantos que acontecem sem alcance midiático. O cara simplesmente num toque invasivo,acabou com a vida dele. Texto explica bem como um cara consegue virar notícia realizando um gesto desse.

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Áurea Añjaneya
Jan 17
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente texto!!!

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