Frequento barbearias desde pequeno. Quando criança era um outro ambiente, mais simples e que, para mim, tinha cheiro de espuma de barbear e aquele pincel clássico – apesar de não ter barba ainda. Eu só ia cortar meu cabelo, quando o pouco que eu tinha crescia. Era legal! Eu ainda não percebia ser aquele um ambiente de masculinidade, não de masculidadadeS.
Com o tempo, cortei o cabelo em salões de beleza e em outras barbearias diversas. E há alguns anos chegamos nas, se assim podemos chamar, barbearias gourmets. Tem sido uma onda grande, em cada esquina há uma. Elas são similares no estilo (falta criatividade): quadros de homens (“machíssimos”, se assim podemos descrever) barbudos, símbolos esportivos (sinuca, bolas, futebol, inclusive americano), um bar (quando chegamos são oferecidos água, café ou cerveja), cores entre o preto, cinza e marrom e a venda de óleos para a barba, seda para cigarro, cinzeiros e outros artefatos.
Pelo que venho observando ao frequentar estes lugares, em muitos momentos há uma hostilidade perversa nos comentários e conversas animadas. É interessante, lá parece que os homens se sentem mais donos de si e livres para falar o que quiserem. As vezes estão acompanhados de suas namoradas, esposas ou lá o que seja, mas na maior parte vão com amigos e/ou filhos.
Um parêntese: eu sempre tive “sorte” em ter barbeiros respeitosos. Exceto por uma experiência que tive há uns 07 anos, na qual os comentários na barbearia (Pituba, terça à noite) eram de desprezo e eu até diria, nojo, por parte deles, com relação aos “viados”. Lembro do constrangimento que tive, do barbeiro me olhar pelo espelho, cortando meu cabelo, e falar “pessoal, vamos com calma”. Tive medo de falar algo e lidar com a violência de toda parte. Nunca mais voltei e tenho ojeriza a este local.
Retornando, os assuntos são sempre futebol (todos são técnicos experientes); a gostosura ou não das mulheres; o sexo realizado em noite anterior; a malhação “crossifitada” ou não; a ressaca da noite anterior; política (as vezes os ânimos esquentam); as piadas sobre “lá ele”, “comer”, pau pequeno/grande e, a depender do local, viagens diversas.
As gargalhadas são altas e estendidas, as vezes me parece que ocorre um retorno à fase infanto-juvenil, com falas dispersas, sem filtro e cheias de interrupções É um ambiente “masculino” e rude. Lugar de uma única masculinidade, normativa, já conhecida e, infelizmente, perpetuada. Pouco importa se quem está ali gosta ou não de ouvir ou participar daqueles papos. É uma espécie de catarse, há horas em que toda a barbearia está envolvida no processo.
Creio que há uma questão de afirmação do macho. Sempre penso no que seria se um deles ali atravessassem aquele status quo e fossem femininos. O que ocorreria? Eu, por exemplo, por não me enquadrar, chego com minhas bolsas, pochetes, meias coloridas, com símbolos (infelizmente) tidos como femininos. Por vezes, sinto-me enjoado e conto os minutos para ir embora. Naturalmente sou uma pessoa mais reservada, e nesses ambientes eu fico calado, observando, sem paciência para falar altíssimo. Geralmente durmo, ou penso em outras coisas, desligando-me do ambiente.
As barbearias atuais (creio que ainda existem aquelas da minha infância. Ou sempre foram assim?) tendem a ser ambientes altamente ostensivos e excludentes. Fechados em um nicho específico e atendendo a um público que faz parte da norma. O culto à barba trouxe um pouco essa realidade. Cabelo é a força em Sansão. E a barba parece funcionar como essa força bruta, da necessidade de se provar. Para quem não faz parte do club, pode agredir e machucar. Penso que estamos muito longe de ambientes mais democráticos e, digamos, humanos.
Aos meus barbeiros, com exceção daquele mencionado acima, minha gratidão pelo respeito e cuidado!
Referência da imagem:
Sempre fiz amizades nesse ambiente,porém,vc descreve situações bem desagradáveis passadas nesses locais. Importante visões distintas desses espaços masculinos.
Boa noite, não nos conhecemos, mas fui apresentado ao seu texto. Me chamo Eduardo e possuo uma barbearia “gourmet” como se refere. Na minha opinião, de qm frequenta, administra e possui o estabelecimento em questão, o Sr precisa frequentar mais. Eu ia até dizer “frequentar os lugares corretos” mas analisei melhor e vi que a generalidade toma conta do seu texto. E generalizamos nunca são inteligentes.
Não percebi o comentário acerca de salões de beleza femininos, que inclusive são gourmet há décadas antes das barbearias. Lá é um ambiente de fofocas triviais aonde se foca puramente na estética feminina para ser mostrada a outras mulheres e aonde grande parte do assunto é sobre os cônjuges ou o casamento da influencer…
Excelente texto! Uma triste realidade, que infelizmente somos obrigados a vivenciar.