A BRANQUITUDE CONTRA ATACA: Como o novo live action "A Pequena Sereia" repercutiu na branquitude?

* Taís Maria Gomes
A animação ‘’A Pequena Sereia’’ se tornou um clássico da Disney por suas músicas memoráveis e uma protagonista carismática. O filme narra a história da sereia Ariel que com grande desejo de conhecer o que estava além dos oceanos faz uma troca com Úrsula (bruxa do mar) após se apaixonar à primeira vista por um ser humano. A princesa oferece sua voz e recebe pernas para realizar seu sonho de conhecer o mundo acima do mar e conquistar o coração de Eric. É nessa aventura que nos apaixonamos pelo jeito espirituoso e aventureiro de Ariel.
Após uma onda de produzir live-actions de filmes que marcaram várias gerações, chegou a vez da Disney lançar a pequena sereia. A história poderia parar por aí e anunciarmos que todos viveram felizes para sempre por terem o privilégio de ver ao vivo e a cores a sereia no telão de cinema. No entanto, uma polêmica nasceu junto com o anúncio do filme. A sereia não iria ser branca, ruiva e de olhos azuis como na animação original. Para a branquitude supremacista, um desastre estava prestes a acontecer, não poderiam acreditar que uma atriz negra havia sido escalada para dar vida a Ariel. Muitos comentários maldosos de cunho racista começaram a ser feitos a respeito da aparência da atriz. A justificativa era de que a sereia só poderia ser branca e ruiva. Apesar de sabermos que sereias não existem, não podemos dizer o mesmo do racismo, que é real e se perpetua durante séculos.
A ciência durante o século XIX buscou explicar a partir de teorias racistas que o homem branco é a “raça’’ superior da humanidade. O cientista inglês Francis J Galton dedicou sua vida produzindo teses eugenistas. Nesse sentido, ele defendia que deveria ser feita uma “seleção natural’’ para elevar os homens a uma raça superior. Logo, para “não degenerar a sociedade’’, o relacionamento entre brancos e negros teria de ser cortado, tendo em vista que para Galton os negros eram inferiores aos brancos.
Toda essa teoria influenciou várias partes do mundo, inclusive o Brasil que abriu portas para os imigrantes europeus com a forte justificativa de que eles poderiam ‘’limpar a raça negra’’ do sangue dos brasileiros. Cientistas políticos, explicavam que o Brasil não se desenvolveria por culpa da ‘’contaminação hereditária’’ dos negros. A solução então seria misturar os negros com os brancos para redimir o país através da miscigenação.
A médica geneticista Andréa Trevas Maciel Guerra, em uma publicação de 2006, narra que ‘’Na Alemanha, a eugenia norte-americana inspirou nacionalistas defensores da supremacia racial, entre os quais Hitler, que nunca se afastou das doutrinas eugenistas de segregação e extermínio em massa dos indesejáveis.’’
Sabemos que no Brasil e no mundo, o racismo se manifesta de diversas formas. Com a intenção de explicar o racismo institucional que promove a exclusão dos negros em cargos de trabalho, principalmente em posições de liderança, a psicóloga social Cida Bento discute sobre como a branquitude se comporta e mantém seus privilégios através de um pacto não formal que perpassa gerações.
Em um dos trechos, ela chama atenção para a expansão dos direitos das minorias que aconteceu ao longo de 1980 nos Estados Unidos e gerou forte reação e medo nos brancos de classe média que não queriam perder seus privilégios. “O receio e o sentimento de ameaça da população branca foram capitalizados pelo partido republicano.’’ Em paralelo a isso, a escritora aponta que existe uma forte ligação entre supremacistas brancos e políticos antidemocráticos.
No contexto brasileiro, a ascensão da extrema direita no Brasil veio junto com discursos de ódio as minorias. O número de manifestações racistas também aumentou. De acordo com o jornal El país, em um levantamento realizado pela ong Safernet, em maio de 2020 foram criadas 204 novas páginas de conteúdo neonazistas após discursos e gestos em apologia ao nazismo feitos pelo ex presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.
Não é de se admirar nesse cenário os ataques a produções de filmes com protagonistas negros, tendo em vista, que a branquitude se sente ferida em seu ego.
A ideologia de que o branco é o mais capacitado para ocupar posições de destaque ecoa no imaginário popular. Há pouco tempo começou o questionamento do porque as pessoas negras não poderiam ser representadas na mídia. Contudo, alguns diziam que isso era besteira, ‘’mi, mi, mi de esquerda’’. O jogo virou, e os que apontavam que quem reivindica por mais representatividade eram vitimistas, agora, se queixam que o filme ‘’de sereia’’ não tem uma protagonista branca.
Não se engane com a justificativa de que as crianças ficarão tristes porque no desenho a princesa era ruiva. As mesmas pessoas que dizem isso, provavelmente nunca pensaram nas crianças negras que não tinham princesas que as faziam se sentir representadas. Por fim, chegamos à conclusão de que é mais um caso de narcisismo da branquitude que não consegue lidar com o fato de que terá que dividir o espaço, afinal, vivemos em uma sociedade ‘’democrática’’.
* Graduanda em Ciências Sociais - UFBA. Instagram: @ta.ism
FONTE:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252006000100002