Os banheiros acompanham nossas vidas e são sempre alvo de polêmicas (vide a disputa entre pessoas cis e trans pelo espaço), já que, é uma das representações mais fidedignas do privado coabitando com o público e vice-versa.
Se você tem o seu próprio banheiro na sua casa e não precisa dividir ele com ninguém, quando sai na rua a realidade é outra: muitas vezes um único banheiro para muitas bund@s.
Claro que o banheiro é, sobretudo, um termômetro para identificarmos o público que acessa o lugar do qual o sanitário pertence. Se formos em banheiros de Shoppings, aeroportos e determinados restaurantes encontraremos uma estética diferenciada de quando estamos em uma faculdade, escola, rodoviária ou metrô, por exemplo (vamos aniquilar os banheiros químicos deste debate, por favor).
Os cuidados que se tem com esse espaço quanto a quantidade de papel desperdiçado (e sequer se tem), respingos de urina nas tampas e assentos, ausência/presença de sabonete para higienizar as mãos, entre outros, são aspectos significativos para que nossa breve (e às vezes nem tão assim) estadia no banheiro dos espaços públicos seja minimamente confortável – ou não.
Ademais, recentemente uma questão a respeito dos sanitários chamou minha atenção. Me refiro a um debate ocorrido em uma faculdade, referente a eleição para compor a direção da unidade: o tema das mensagens exibidas nas paredes e portas das cabines sanitárias. KKK
Isso mesmo, em meio ao embate cordial entre chapas, um querido sorteado para realizar uma pergunta, representando a categoria discente, considerou relevante investir a sua oportunidade no tema dos ‘’sanitários pichados’’[1].
É claro que o tema é relevante para a comunidade, afinal de contas, todos/as/es queremos vivenciar uma experiência confortável enquanto atendemos ao chamado da natureza, e pode ser deveras desagrádavel mirar nossos olhos em frases de cunho racista ou fascista, e até mesmo as que são escritas pelos fanáticos religiosos.
E o ponto da conversa em que eu quero chegar com esse ensaio diz respeito a como, de alguma forma, algumas pessoas se sentem confortáveis, a partir do anonimato, em escrever palavras que usualmente não sairiam de suas bocas com tanta facilidade (mesmo que em seus cérebros articulem tais pensamentos o tempo todo).
Destilar ódio à comunidade LGBT, propagar ideais racistas, fascistas e misóginos, escritos de cunho pornográfico, pregações de fã clubes religiosos são apenas algumas das peripécias somadas a: orações, desabafos e mensagens motivacionais que podemos encontrar nos sanitários.
Além de tais situações serem um termômetro para os lugares em que vivenciam essa problemática, também seria relevante pensar por qual motivo outros territórios não sofrem com este mal.
Pois afinal, em quais espaços institucionais somos veementemente reprimidos a ponto de nem sequer cogitarmos alimentar o ímpeto/revolta acompanhado do ‘’comportamento vândalo’’ e em quais estamos confortáveis para, [(quase) sempre] no anonimato, de fato expressar nossos pensamentos e ideologias mais recalcadas?
Imaginemos então o que poderia nos dizer, além do que literalmente estaria posto, as mensagens nas cabines dos sanitários das escolas que acolhem os mais variados jovens e seus questionamentos. Os universitários seriam ainda um reflexo deles? Cheios de inquietações (algumas polêmicas e outras nem tanto) sem saber o que fazer com elas?
Bem, eu acredito que o caso dos sanitários nos revela onde deveríamos lançar nossos olhos para tentar descobrir por qual motivo não estamos o fazendo, pois afinal, por que uma sociedade de ‘’não tenho nada contra, tenho até amigos que são’’ precisa se manifestar anonimamente pelas cabines dos banheiros [2]?
Entretanto, o que vejo, ano após ano, são as camadas de tintas cobrindo esse problema. Mas e você, o que pensa sobre o assunto?
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Notas:
[1] Vale ressaltar que neste texto compreendo a pichação como uma expressão artística de grupos marginalizados e não tenho a intenção de corroborar com a visão estereotipadamente limitada sobre o tema. Por isso, o uso de aspas corresponde à preservação do termo utilizado por terceiros.
[2] Poderíamos acrescer ao debate a dimensão do anonimato nas mídias sociais a partir de perfis fakes.
Link da imagem: referência: http://vestibular.leiaja.com/carreiras/2018/10/16/suastica-e-pichada-dentro-de-banheiro-da-ufpe/
Curioso o peso que os símbolos, principalmente a suástica, causam nos mais jovens. No colégio em que estudava as cadeiras eram costumeiramente rasuradas com mensagens e símbolos. Vez ou outra era notada uma suástica marcada sobre elas (assim como é perceptível nas imagens anexadas ao texto). Já ouvi de alguns professores como o peso do símbolo gera um "anseio" pela reprodução, mas nunca me aprofundei no assunto.
Olha,nunca mensurei sobre esse assunto,talvez por puro desligamento ao adentrar esses locais. Pensei aqui que não demorará muito e as pichações sanitárias se darão expressamente no Twitter,talvez a maior parede virtual de banheiro do mundo.
Olá! Fui eu quem fez a pergunta sobre os banheiros no debate na Faced. Também compreendo o picho como uma expressão artística, e não foi minha intenção estigmatizá-lo em minha fala. Penso que o picho, assim como qualquer linguagem artística, pode ser uma forma de libertação, e e em outras situações pode reproduzir opressões - como é o caso das mensagens fascistas e homofóbicas nos banheiros.
Me alegro em ver que a minha pergunta repercutiu. Realmente considero esse um tema relevante. Também gostei da análise que você fez em seu texto. Certamente, é um problema para o qual a solução precisa ser mais profunda do que simplesmente passar mais uma camada de tinta nos banheiros. Espero sinceramente que possamos continuar…
Show de bola. Amei
Excelente discussão. Muitos caminhos simbólicos para interpretações nada sutis do gozo gerado através do anonimato para destilar ódio e violência discursiva. Que possamos ser mais corajoses, escrevendo em letras garrafais a potência e a elegância das nossas existências. Parabéns pelo texto!